Nota bene

1. "Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.” (Art. 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos);

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3. Tendo em consideração que "Mudar de opinião e seguir quem te corrige é também o comportamento do homem livre" (Marco Aurélio, Imperador Romano), os autores reservam-se ao direito de rever e republicar os seus artigos;

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quarta-feira, 29 de junho de 2011

As sirenes e o Regulamento Geral do Ruído

Não são estranhos os relatados de queixas apresentadas perante as autoridades policiais, por habitantes vizinhos de quartéis de bombeiros, a fim de verem ser desencadeado um processo de contra-ordenação, havendo mesmo casos de acções intentadas em tribunal destinados a fazer “calar” os toques das sirenes.

Visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações, o Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, aplica-se às actividades ruidosas permanentes e temporárias e a outras fontes de ruído susceptíveis de causar incomodidade, designadamente:

a)    Construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de edificações;
b)    Obras de construção civil;
c)    Laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços;
d)    Equipamentos para utilização no exterior;
e)    Infra-estruturas de transporte, veículos e tráfegos;
f)     Espectáculos, diversões, manifestações desportivas, feiras e mercados;
g)    Sistemas sonoros de alarme.


Para efeitos de regulamento, entende-se por actividade ruidosa permanente a actividade desenvolvida com carácter permanente, ainda que sazonal, que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído, designadamente laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços, por actividade ruidosa temporária a actividade que, não constituindo um acto isolado, tenha carácter não permanente e que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído tais como obras de construção civil, competições desportivas, espectáculos, festas ou outros divertimentos, feiras e mercados, e por ruído de vizinhança o ruído associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido directamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de afectar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança.

Afastado, de início, o enquadramento do toque de sirene nas actividades ruidosas permanentes, genericamente, o regulamento consagra a proibição de actividades ruidosas temporárias junto a edifícios de habitação (aos sábados, domingos e feriados, e nos dias úteis entre as 20:00 e as 8:00 horas), a escolas (durante o seu período de funcionamento) e a hospitais ou estabelecimentos similares, cuja actividade está sujeita à fiscalização e regime contra-ordenacional previsto no art. 26º e seguintes do regulamento.

Contudo, o exercício dessas actividades ruidosas temporárias poderá ser autorizado, em casos excepcionais e devidamente justificados, mediante emissão de licença especial de ruído pelo respectivo município, que fixará as condições de exercício dessa actividade.

Mas será que os toques das sirenes instaladas nos quartéis de bombeiros se podem enquadrar no “exercício de actividades ruidosas de carácter temporário” ?
Se for este o entendimento, por via disso, só estarão autorizadas a funcionar aos sábados, domingos e feriados, e nos dias úteis entre as 20:00 e as 8:00 horas, mediante licença especial de ruído emitida pela Câmara Municipal em casos excepcionais e devidamente justificados! Não parece que este entendimento possa ter acolhimento.

No que respeita aos sistemas sonoros de alarme, eventualmente poderíamos aqui enquadrar as sirenes dos quartéis, não fosse a sinalização sonora de alarme prevista no artigo 23º dizer respeito a sistemas sonoros de alarme instalados em veículos, prevendo a proibição de sistemas que não possuam mecanismos de controlo que assegurem que a duração do alarme não exceda vinte minutos.

Posto isto, se os trabalhos ou obras em espaços públicos ou no interior de edifícios, que devam ser executados com carácter de urgência para evitar ou reduzir o perigo de produção de danos para pessoas ou bens, não estão sujeitos às limitações previstas nos artigos 14.º (actividades ruidosas temporárias) e 16.º (obras no interior de edifícios), e ainda, se a sirene não é um sistema sonoro de alarme instalado num veículo, somos levados a crer que o ruído das sirenes dos quartéis de bombeiros, destinadas a desencadear o socorro às populações, estará excluído do âmbito da aplicação do Regulamento Geral do Ruído. Nesse caso, não haverá lugar a processo de contra-ordenação.

Porém, o artigo 21º vem dispor sobre “outras fontes de ruído” !
Estipula o art. 21º que “As fontes de ruído susceptíveis de causar incomodidade estão sujeitas ao cumprimento dos valores limite fixados no artigo 11.º” e “sujeitas a controlo preventivo no âmbito de procedimento de avaliação de impacte ambiental, quando aplicável, e dos respectivos procedimentos de autorização ou licenciamento”. Ora, se por um lado, ao sujeitar as sirenes dos quartéis ao limite de decibéis do art. 11º fará perder todo o seu efeito útil de alerta, por outro, ao sujeitar o seu uso a pedido de licenciamento ou autorização, será o mesmo que subjugar à discricionariedade do poder autárquico a utilização de um meio utilizado para ser promovido o socorro às populações. De igual modo, acolher o entendimento que as sirenes estariam no âmbito do diploma por via do art. 21º, seria inadmissível e contraditório do direito à segurança dos cidadãos.

Caso, ainda restem dúvidas que o Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, não se aplica às sirenes dos Corpos de Bombeiros[1], as acções judiciais interpostas com a finalidade de ser obtida decisão judicial que decrete o seu silêncio, não têm tido acolhimento junto dos Tribunais de Comarca nem junto da Relação. As sentenças e os acórdãos proferidos têm ressalvado que, atendendo aos interesses e direitos postos em confronto, é dado pleno cumprimento ao estatuído no nº 2 do art. 335º do Código Civil (“se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior”), pelo que o direito superior tem sido sempre o direito à segurança e ao bem-estar da população servida pelas Associações Humanitárias de Bombeiros.

É compreensível que o toque das sirenes seja ensurdecedor e incomodativo, sobretudo nos períodos nocturnos, com especial incidência nos casos em que os toques são muito prolongados ou são feitos com incompreensível insistência, chegando a serem dados mais de 10 “toques” seguidos. Também é sabido que em Corpos de Bombeiros dotados de equipas de piquete em permanência, 24 sobre 24 horas, o recurso ao toque de sirene é considerado uma raridade. Contudo, em caso algum se poderá admitir que o direito à salvaguarda da saúde, segurança, e ao socorro em tempo útil, vergue perante o direito ao descanso e à tranquilidade da população.

É incontestável que, presentemente, os Corpos de Bombeiros têm ao seu dispor meios tecnológicos que lhes permitem convocar os seus elementos, ou determinados elementos especializados, para desencadear uma acção de socorro, sejam eles mensagens de sms pré-programadas, ligação para telemóveis ou sistema de bip’s. Igualmente, também é sabido que o efeito útil do toque de alarme de uma sirene durante o dia (sobretudo num Corpo de Bombeiros citadino) já não tem a “resposta” que teria há uns bons anos atrás, pois os seus elementos voluntários estarão nos seus empregos fora da localidade, e por conseguinte impossibilitados de escutar a sirene, ou mesmo impossibilitados de abandonar o seu posto de trabalho para acorrerem à emergência (e se o fizerem correm sérios riscos de verem o seu contrato de trabalho não ser renovado!).

Não obstante a implementação de sistemas informatizados e/ou telefónicos que permitem chamar os bombeiros, independentemente da hora e local em que estes se encontrem, sem que seja necessário accionar a sirene, (e atente-se que estes se traduzem em custos de operação para as associações!) a solução passará sempre pela presença de pessoal permanente (em número suficiente) para dar resposta na primeira intervenção. Óbvio e inevitável será sempre, em caso de emergente necessidade, o recurso aos “tradicionais” meios de chamamento dos bombeiros.

Porém, face ao anteriormente explanado, é controversa a argumentação que para teste de operacionalidade a sirene tenha de ser accionada todos os dias com o mesmo desenvolvimento de toque utilizado numa situação de alarme geral. Não obstante o facto de que, também aqui, os tribunais têm entendido que apesar de tudo poder avariar a qualquer momento, verificar se os equipamentos estão operacionais e em condições de uso se traduz numa atitude responsável, e nisso estamos de acordo. Eventualmente poderia este teste ser feito com menor tempo de desenvolvimento, e por conseguinte, atingir limites inferiores de decibéis de modo a cumprir o seu desígnio de teste sem se tornar ensurdecedor e incomodativo.



[1] Na Circular 40/2001, de 11.09.2001, o ex- SNB dava a conhecer da não aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 292/2000, de 14 de Novembro, que aprovou o regime legal sobre poluição sonora, aos bombeiros.