Como se já não bastasse ao (esgotado)
regime jurídico dos bombeiros voluntários o emaranhado causado pelas inúmeras
alterações legislativas, realizadas a coberto de decretos-lei, leis, portarias,
despachos e despachos de retificação, que desesperadamente tentam compor os
“retalhos da manta”, o Decreto-Lei nº 64/2019, que veio atribuir novos
benefícios sociais aos bombeiros voluntários, alterou, aditou e revogou artigos
do Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho e republicou-o.
Até aqui seria mais
uma das muitas alterações ao referido diploma, o problema é que a sua
republicação é desastrosa e enreda ainda mais o tal emaranhado em duas questões
muito sensíveis. Vejamos.
O preâmbulo do DL
64/2019 explana o seguinte: “(…) o
presente decreto-lei estabelece a atribuição de benefícios na utilização de
bens e serviços públicos, bem como de serviços privados através de parcerias,
sem prejuízo de outras regalias sociais.(…)”
Neste sentido, o
diploma define como objeto legislativo ordenado pelo Governo “(…) a atribuição de novos benefícios sociais aos
bombeiros voluntários, e que procede, deste modo, à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 241/2007, alterado pela Lei n.º
48/2009, de 4 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21 de novembro, que
o republica, e pela Lei n.º 38/2017, de 2 de junho.”
Com esse propósito,
altera os artigos 6.º, 10.º, 17.º, 18.º e 46.º, adita os artigos
6.º-A e 6.º-B, e revoga o artigo
11.º e o n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, na
sua redação atual.
Posto isto,
consagra, no artigo 5º, que:
“1
- É republicado, em anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte
integrante, o Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, com a redação
introduzida pelo presente decreto-lei.
2
- Para efeitos da republicação referida no número anterior, onde se lê
«Autoridade Nacional de Proteção Civil» e «Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de
novembro», deve ler-se, respetivamente, «Autoridade Nacional de Emergência e
Proteção Civil» e «Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na sua redação
atual».”
No dia 15 de maio,
o Decreto-Lei nº 64/2019, que republica o Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de
junho, é publicado no Diário da República n.º 94/2019, Série I, e entra em
vigor.
Relevando-se o
pormenor de ter ficado expresso no DL 64/2019 que, onde se lê «Autoridade Nacional de Proteção Civil» e «Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de
novembro», se deva ler, respetivamente, «Autoridade
Nacional de Emergência e Proteção Civil» e «Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na sua redação atual»
mas, depois, na republicação já terem alterado o que à partida pretendiam que
se lesse de forma diferente (alteração esta que esvaziou de conteúdo o nº 2 do
artigo 5º supra referido), a questão controversa começa aqui, com a alteração
de uma versão não atualizada do Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, e a
sua sequente republicação.
Este erro aparentemente
“ressuscitou” a não necessidade do parecer favorável dos comandantes e
das entidades detentoras, tanto de origem, como de destino nos pedidos de
transferência entre Corpos de Bombeiros (nº 3 do artigo 29º - Mobilidade), bem
como a atribuição ao comandante operacional distrital da competência para a
aplicação de qualquer pena disciplinar ao comandante do corpo de bombeiros(
nº 3 do artigo 40º - Competência disciplinar). E isto porque, como já
anteriormente referido, a versão alterada pelo DL 64/2019 não poderia ser a que
vigorava.
No caso concreto do
artigo 29º, a mobilidade tem sido prevista da seguinte forma desde a sua
primeira versão:
Artigo 29.º - (na 1ª
versão do DL 241/2007)
Mobilidade
1 - Aos bombeiros
voluntários do quadro activo é permitida a transferência entre corpos de
bombeiros, a requerimento do interessado, desde que satisfeitas as seguintes
condições:
a) Existência de vaga no
quadro do corpo de destino;
b) Autorização pela
Autoridade Nacional de Protecção Civil, ouvidos os comandantes
dos corpos de bombeiros de origem e de destino;
c) O pedido não ser feito
por motivos disciplinares.
2 - O bombeiro transferido
mantém a carreira, a categoria e os demais direitos adquiridos.
Artigo 29.º - (na 2ª
versão do DL 241/2007, alterado pela Lei 48/2009)
Mobilidade
1 - Aos bombeiros
voluntários do quadro activo é permitida a transferência entre corpos de
bombeiros, a requerimento do interessado, desde que satisfeitas as seguintes
condições:
a) Existência de vaga no
quadro do corpo de destino;
b) Autorização pela
Autoridade Nacional de Protecção Civil, ouvidos os comandantes
dos corpos de bombeiros de origem e de destino;
c) O pedido não ser feito
por motivos disciplinares.
2 - O bombeiro
transferido mantém a carreira, a categoria e os demais direitos adquiridos.
Artigo 29.º - (na 3ª
versão do DL 241/2007, alterado pelo DL 249/2012)
Mobilidade
1 - Aos bombeiros voluntários do quadro ativo é
permitida a transferência entre corpos de bombeiros, a requerimento do
interessado, desde que satisfeitas as seguintes condições:
a) Existência de vaga no
quadro do corpo de destino;
b) (Revogada.)
c) O pedido não ser feito
por motivos disciplinares.
2 - O bombeiro
transferido mantém a carreira, a categoria e os demais direitos adquiridos.
3 - Aos bombeiros do
quadro de reserva é também permitida a transferência, desde que:
a) Seja para ocupar vaga
no quadro ativo do corpo de bombeiro de destino; e
b) O pedido não seja
efetuado por motivos disciplinares.
4 - Os pedidos de
transferência referidos nos números anteriores são efetuados a requerimento dos
interessados, dirigido à Autoridade Nacional de Proteção Civil, acompanhado
de parecer favorável dos comandantes e das entidades detentoras, tanto
de origem, como de destino.
5 - O bombeiro
transferido mantém a carreira, a categoria, antiguidade e demais direitos
adquiridos.
Artigo 29.º - (na 4ª
versão do DL 241/2007, alterado pelo DL 249/2012 retificado pela retificação
4-A/2013)
Mobilidade
1 - Aos bombeiros voluntários do quadro ativo é
permitida a transferência entre corpos de bombeiros, a requerimento do
interessado, desde que satisfeitas as seguintes condições:
a) Existência de vaga no
quadro do corpo de destino;
b) (Revogada.)
c) O pedido não ser feito
por motivos disciplinares.
2- Aos bombeiros do
quadro de reserva e também permitida a transferência, desde que:
a) Seja para ocupar vaga
no quadro ativo do corpo de bombeiros de destino; e
b) O pedido não seja
efetuado por motivos disciplinares.
3- Os pedidos de
transferência referidos nos números anteriores são efetuados a requerimento dos
interessados, dirigido à Autoridade Nacional de Proteção Civil, acompanhado
de parecer favorável dos comandantes e das entidades detentoras, tanto
de origem, como de destino.
4- O bombeiro transferido
mantém a carreira, a categoria, antiguidade e demais direitos adquiridos.
Artigo 29.º - (na 5ª
versão do DL 241/2007, alterado pela Lei 38/2017)
Mobilidade
1 - Aos bombeiros
voluntários do quadro ativo é permitida a transferência entre corpos de
bombeiros, a requerimento do interessado, desde que satisfeitas as seguintes
condições:
a) Existência de vaga no
quadro do corpo de destino;
b) (Revogada.)
c) O pedido não ser feito
por motivos disciplinares.
2- Aos bombeiros do
quadro de reserva e também permitida a transferência, desde que:
a) Seja para ocupar vaga
no quadro ativo do corpo de bombeiros de destino; e
b) O pedido não seja
efetuado por motivos disciplinares.
3- Os pedidos de
transferência referidos nos números anteriores são efetuados a requerimento dos
interessados, dirigido à Autoridade Nacional de Proteção Civil, acompanhado
de parecer favorável dos comandantes e das entidades detentoras, tanto
de origem, como de destino.
4- O bombeiro transferido
mantém a carreira, a categoria, antiguidade e demais direitos adquiridos.
Artigo 29.º - (na
6ª versão do DL 241/2007, alterado pelo DL 45/2019)
Mobilidade
1 - Aos bombeiros
voluntários do quadro ativo é permitida a transferência entre corpos de
bombeiros, a requerimento do interessado, desde que satisfeitas as seguintes
condições:
a) Existência de vaga no
quadro do corpo de destino;
b) (Revogada.)
c) O pedido não ser feito
por motivos disciplinares.
2- Aos bombeiros do
quadro de reserva e também permitida a transferência, desde que:
a) Seja para ocupar vaga
no quadro ativo do corpo de bombeiros de destino; e
b) O pedido não seja
efetuado por motivos disciplinares.
3- Os pedidos de
transferência referidos nos números anteriores são efetuados a requerimento dos
interessados, dirigido à Autoridade Nacional de Proteção Civil, acompanhado
de parecer favorável dos comandantes e das entidades detentoras, tanto
de origem, como de destino.
4- O bombeiro transferido
mantém a carreira, a categoria, antiguidade e demais direitos adquiridos.
Quanto à competência disciplinar prevista no artigo 40º:
Artigo 40.º - (na 1ª
versão do DL 241/2007)
Competência disciplinar
1 - A aplicação das penas
de advertência e de repreensão escrita é da competência de todos os superiores
hierárquicos em relação aos bombeiros que lhes estejam subordinados.
2 - A aplicação das penas de suspensão e de demissão é da competência do
comandante do corpo de bombeiros.
3 - A aplicação de qualquer pena disciplinar ao
comandante do corpo de bombeiros é da competência do comandante operacional
distrital.
Artigo 40.º - (na 2ª
versão do DL 241/2007, alterado pela Lei 48/2009)
Competência disciplinar
1 - A aplicação das penas
de advertência e de repreensão escrita é da competência de todos os superiores
hierárquicos em relação aos bombeiros que lhes estejam subordinados.
2 - A aplicação das penas de suspensão e de demissão é da competência do
comandante do corpo de bombeiros.
3 - A aplicação de qualquer pena disciplinar ao
comandante do corpo de bombeiros é da competência do comandante operacional
distrital.
Artigo 40.º - (na 3ª
versão do DL 241/2007, alterado pelo DL 249/2012)
Competência disciplinar
1 - A aplicação da pena
de advertência é da competência de todos os superiores hierárquicos em relação
aos bombeiros que lhes estejam subordinados.
2 - A aplicação das penas
de repreensão escrita, de suspensão e de demissão é da competência do
comandante do corpo de bombeiros.
3 - A aplicação de qualquer
pena disciplinar ao comandante do corpo de bombeiros é da competência do comandante
operacional distrital.
Artigo 40.º - (na 4ª
versão do DL 241/2007, alterado pelo DL 249/2012 retificado pela retificação
4-A/2013)
Competência disciplinar
1 - A aplicação da pena
de advertência é da competência de todos os superiores hierárquicos em relação
aos bombeiros que lhes estejam subordinados.
2 - A aplicação das penas
de repreensão escrita, de suspensão e de demissão é da competência do
comandante do corpo de bombeiros.
3 - A aplicação de qualquer
pena disciplinar ao comandante do corpo de bombeiros é da competência do comandante
operacional distrital.
Artigo 40.º - (na 5ª
versão do DL 241/2007, alterado pela Lei 38/2017)
Competência disciplinar
1 - A aplicação da pena
de advertência é da competência de todos os superiores hierárquicos em relação
aos bombeiros que lhes estejam subordinados.
2 - A aplicação das penas
de repreensão escrita, de suspensão e de demissão é da competência do
comandante do corpo de bombeiros.
3 - A aplicação de qualquer
pena disciplinar ao comandante do corpo de bombeiros é da competência do comandante
operacional distrital.
Artigo 40.º - (na
6ª versão do DL 241/2007, alterado pelo DL 45/2019)
Competência disciplinar
1 - A aplicação da pena
de advertência é da competência de todos os superiores hierárquicos em relação
aos bombeiros que lhes estejam subordinados.
2 - A aplicação das penas
de repreensão escrita, de suspensão e de demissão é da competência do
comandante do corpo de bombeiros.
3 - (Revogado.)
Ora,
como se poderá verificar através das várias formulações, com as alterações
introduzidas pelo DL 64/2019 nos artigos 6.º, 10.º, 17.º, 18.º e 46.º, os
artigos 29º e 40º deveriam manter-se inalteráveis (até porque não é esse o
propósito e alcance do DL 64/2019!), o que não aconteceu na republicação feita.
Existe uma discrepância entre espirito e letra, isto é, o legislador pretendeu alterar
os artigos 6.º, 10.º, 17.º, 18.º e 46.º, aditar os artigos 6.º-A e 6.º-B, e
revogar o artigo 11.º e o n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 241/2007 mas
o texto na republicação foi mais além. Nestes casos apenas prevalece
o espirito pois ele é a vontade do legislador. Tratou-se, certamente, de um erro.
Repare-se que no
artigo 1º do DL 64/2019 é referido que o diploma procede à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 241/2007, alterado pela Lei n.º
48/2009, de 4 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21 de novembro, que
o republica, e pela Lei n.º 38/2017, de 2 de junho. Mas, se consultarmos as
alterações do DL 241/2007 verificamos que estas foram resultado da publicação
dos seguintes diplomas: Lei n.º 48/2009, de 04/08, DL n.º 249/2012, de 21/11, Retificação
n.º 4-A/2013, de 18/01, Lei n.º 38/2017, de 02/06 e DL n.º 45/2019, de 01/04
(Lei Orgânica da ANEPC).
Na verdade, o DL
64/2019 procede à 5ª alteração do DL 241/2007 (e nunca à 4ª!) caso se ignore
que ocorreu uma alteração decorrente da publicação do Decreto-Lei 45/2019. No
caso específico da competência disciplinar foi este o diploma que a retirou aos
comandantes operacionais distritais e a atribuiu ao Diretor Nacional de
Bombeiros, revogando expressamente o nº 3 do artigo 40º. Já no que concerne à não
imposição da necessidade dos pedidos de transferência serem acompanhados de parecer favorável dos comandantes e das
entidades detentoras, tanto de origem, como de destino (que desde 2012 está
previsto) só a encontramos nos primórdios do DL 241/2007, na qual bastaria que
os comandantes dos corpos de bombeiros de origem e de destino fossem ouvidos. Neste caso, ficou patente que o
legislador não teve em conta 4 diplomas que, posteriormente à Lei 48/2009,
vieram alterar o DL 241/2007.
Para
concluir, entendo que se deve optar pela utilização do DL 241/2007 (atualizado
pelo DL 64/2019) disponibilizado pela base de dados legislativa da
Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, no endereço infra, e cujo texto dos
artigos 29º e 40º está atualizado.