1. Introdução
“A Brigada de Trânsito de Vila Real deteve um bombeiro da
corporação de Vinhais por conduzir uma ambulância, onde transportava uma
paciente, com uma taxa de alcoolemia de 1,4 gramas por litro, disse hoje à Lusa
fonte da corporação.” – 27.09.2007
“O
bombeiro interceptado pela Brigada de Trânsito a conduzir uma ambulância com
uma taxa de alcoolemia de 1,4 gramas por litro, perto de Vila Real, foi hoje
condenado a uma multa de 600 euros e oito meses de inibição de conduzir.” –
25.10.2007
“Um condutor dos Bombeiros de Moura, conduziu
alcoolizado uma viatura. A GNR fez o teste de alcoolemia e o indivíduo acusou
uma taxa de 1,63 gramas/ litro de álcool no sangue. Cem dias de multa, a 7
euros/ dia e seis meses sem carta foi a decisão do juiz.” – 7.11.2007
“Bombeiro conduzia ambulância com 1,34 gramas de álcool no sangue… Os
militares optaram por não interromper a marcha, por esta "viajar com os sinais de marcha de urgência",
explicou ao jornal fonte próxima da BT.” – 12.5.2008
“Um
motorista do INEM, com 26 anos, conduzia alcoolizado quando, a 9 de Agosto de
2008, passou um sinal vermelho, a cerca de 70km/h, e atropelou um jovem de 21
anos.” – 28.5.2009
“No
dia de São Martinho a PSP montou uma operação STOP junto ao Hospital Divino
Espírito Santo. Tal situação fez com que a Polícia, no seu dever, fizesse
cumprir a lei, nomeadamente, a tolerância zero, aos bombeiros, que muitas das
vezes ficam imunes a estas fiscalizações. Após a realização dos teste de
alcoolemia aos bombeiros foi detectado num elemento condutor de uma ambulância
uma taxa variável entre os 0.5 e os 0.8 de alcoolemia.” – 19.11.2009
“Um
bombeiro de Estremoz, na casa "dos 30 anos", foi expulso da
corporação depois de averiguações internas, por ter sido "apanhado"
pela GNR, alegadamente alcoolizado, a conduzir uma ambulância, disse hoje o
comandante, Carlos Machado.” Contactada
pela Lusa, fonte da GNR limitou-se a explicar que o indivíduo foi interceptado
por elementos do destacamento de Trânsito e foi submetido a um teste de
alcoolemia. O suspeito, acrescentou a fonte, acusou "1,61 gramas de álcool
por litro de sangue", o que constitui "crime", pelo que foi
detido e, posteriormente, libertado sob Termo de Identidade e Residência (TIR).
- 23.5.2011
Eis
algumas das notícias, preocupantes mas felizmente raras, que nos chegam trazidas pelos jornais, pela internet e telejornais, e que criam no subconsciente do comum
cidadão uma imagem negativa, desacreditadora e desprestigiante da instituição
Bombeiros. Ocasionalmente, também somos confrontados com comentários e relatos
de situações depreciativas à nossa instituição, algumas vezes injustos e revestidos de grande ignorância que se traduzem na oportunidade de mentecaptos generalizarem e apelidarem todos os
bombeiros de “cambada de bêbedos”.
Contudo, a verdade seja
dita, se por um lado existe quem coloque as suas “mãos no lume” em como, casos como os noticiados, nunca poderiam
ocorrer no seio do seu corpo de bombeiros dada a abstinência do consumo de álcool,
outros farão como a avestruz. Porém, como no meio é que está a virtude, existirá,
certamente, um número significativo de comandos e direções que, conscientes do
problema e da necessidade de implementarem medidas de prevenção e controlo, se sentem
“de mãos e pés atados” ao se depararem
com uma barreira burocrática de direitos e garantias que parece favorecer os
prevaricadores.
Sem pretensiosismos, mas
tão-somente com o intuito de clarificar a possibilidade, ou não, de serem
efetuados testes de despistagem de alcoolemia no seio dos corpos de bombeiros,
à semelhança do que acontece em variadíssimas empresas de prestação de
serviços, o presente artigo aborda a temática na expectativa de estar a contribuir
com uma ferramenta de trabalho para aqueles que não metendo as mãos no lume nem fazendo
como a avestruz têm presente que os problemas associados ao consumo de
substancias psicoativas
não ocorrem somente nas empresas mas também entre as fileiras de homens e
mulheres nos corpos de bombeiros.
Tal desígnio não se
afigura fácil, dado que tem sido sempre abordado pela Autoridade para as
Condições do Trabalho,
pela Comissão Nacional de Proteção de Dados
e pela jurisprudência dos tribunais administrativos sempre numa perspetiva
laboral, o que, logo de início, nos levanta constrangimentos legais na sua
aplicabilidade ipsis verbis aos
corpos de bombeiros voluntários dada a especificidade destes. Como se sabe, nos
corpos de bombeiros encontramos bombeiros somente em regime de voluntariado e
outros que além de serem voluntários têm também um contrato individual de
trabalho com a respetiva associação humanitária de bombeiros (AHB) para
desempenharem funções de bombeiro. Ora, se no que concerne aos segundos, dúvidas
não subsistem que em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho se lhes
aplicarão as disposições do Código do Trabalho
e do Regime Jurídico da Segurança e Saúde no Trabalho,
quanto aos primeiros, como adiante verificaremos, a realização de testes de
despistagem de alcoolemia não se afigura óbvia e livre de controvérsia.
2. A necessidade de prevenção e de
dissuasão
Mais importante que o
combate é a prevenção. Também aqui a máxima tem aplicabilidade. Os corpos de
bombeiros são escolas filantrópicas, onde se cultivam os nobres valores do
altruísmo, da abnegação e da coragem, que as sociedades almejam, contudo, devem
também ser instituições com preocupações na prevenção e dissuasão do consumo
das substâncias psicoativas que, porventura, poderão ocorrer no seio do corpo
de bombeiros, tal como acontece na sociedade em geral. Esta é uma preocupação
que requer a intervenção das direções das associações, dos comandos, das
chefias e dos próprios bombeiros, pelo que se considera imperioso despertar
consciências e se encetarem esforços para que sejam implementadas políticas
de prevenção de dependências, atuando proativamente, ao nível da prevenção e da deteção
destes casos no seio dos corpos de bombeiros.
3. A Constituição e as Leis Laboral e de Proteção
de Dados
Tudo orbitará em redor da
Lei Suprema. Este é o cerne da questão, a realização de testes de despistagem
de alcoolemia afetam direitos, liberdades e garantias tutelados pela
Constituição da República Portuguesa, além de carecerem do devido enquadramento
na lei laboral e de proteção de dados.
No âmbito laboral, a
justificação da sua prática é encontrada na necessidade de proteção da
segurança do trabalhador e de terceiros
e fundamenta-se no âmbito da organização da segurança, higiene e saúde no trabalho.
Desta
forma, a realização de exames ou testes de despistagem de
alcoolemia nos corpos de bombeiros, está intimamente relacionada com a
necessidade da sua implementação a fim de se verem acautelados os interesses da
própria associação, e da necessidade de garantir um princípio de
proporcionalidade e não discriminação.
Assim, em resultado da
ponderação destes interesses, nada obsta a que a realização de testes de
despistagem aos bombeiros com contrato de trabalho com a associação venha a ser
uma realidade nos Corpos de Bombeiros, por via de regulamentação interna,
desde que não sejam atentatórios dos princípios enunciados e após ter sido
possibilitada a participação dos trabalhadores ou seus representantes nas
medidas a preconizar. Estas medidas, devem decorrer de uma obrigação de
prevenção que impende sobre o empregador
e/ou comando do Corpo
de Bombeiros, bem como da necessidade de proteção da saúde física e psíquica
do próprio ou de terceiros utentes do serviço de bombeiros. Neste sentido,
deverá entender-se que respeitam o princípio da proporcionalidade os exames:
- Contextualizados no âmbito do planeamento e
programação da segurança e saúde no trabalho,
da respectiva organização de meios e serviços de segurança e saúde no trabalho;
- Sejam “necessários,
adequados e proporcionais à verificação de alterações e para a determinação da
aptidão ou inaptidão física e psíquica para o exercício das suas funções e para
a defesa da sua própria saúde”;
- Na organização do
programa de controlo do consumo de álcool ou de substâncias psicoativas no
local de trabalho, as exigências particulares de determinadas funções e o grau de
consciencialização dos atores envolvidos;
- Tenha sido
assegurado o quadro de informação, consulta e participação dos trabalhadores e
seus representantes sobre os aspectos referenciados.
- No
que concerne ao respeito pelo princípio da não discriminação, atente-se que os
testes não podem revelar-se abusivos, discriminatórios ou arbitrários, pelo
que, são indicadores da não existência destas circunstâncias:
- A realização dos
exames sob solicitação e/ou responsabilidade do médico do trabalho;
- A
compreensibilidade do critério de escolha do universo de trabalhadores ou do
trabalhador sobre a necessidade de submissão a teste;
- A garantia que os
resultados recolhidos não são utilizados para fins alheios à finalidade
originária, isto é, a proteção da saúde física e psíquica do próprio ou de
terceiros. Contudo, isto não significa que não seja possível
o uso dos resultados obtidos para instrução de processo disciplinar;
Outra
questão de grande importância prende-se com a proteção de dados pessoais. A
recolha e tratamento de dados na realização de exames ou testes de despistagem
da alcoolemia ou de substâncias psicoativas, ainda que de forma não
automatizada, enquadram-se na definição da lei sobre a proteção de dados
pessoais e de dados sensíveis . Nesse contexto importa
que:
- Este tratamento
seja previamente autorizado pela CNPD – Comissão Nacional de Proteção de Dados;
- Seja garantida a
segurança e confidencialidade do seu tratamento e que este se processe "de
forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como
pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais";
- Os “responsáveis do tratamento de dados pessoais, bem como as
pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento de dados
pessoais tratados, ficam obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo
das suas funções".
4.
Os
analisadores
Em Portugal, os testes de despistagem da alcoolemia iniciaram-se nos
anos 80 pela mão das entidades fiscalizadoras do Código da Estrada, mas somente
em 1991 seria regulamentado o uso desses alcoolímetros.
A determinação do teor de
álcool no sangue através do ar expirado, baseia-se na existência de uma relação
bem definida entre o teor de álcool no sangue que passa para os pulmões e o ar
presente nos alvéolos. Na fase final da inspiração, estabelece-se nos pulmões,
um equilíbrio entre as fases líquida e gasosa do etanol em que a concentração
de álcool na fase gasosa depende da concentração da fase líquida, tendo em
consideração que a temperatura interna é aproximadamente constante. Este
equilíbrio é favorecido pelo facto dos alvéolos não se esvaziarem completamente
mesmo em expiração forçada. Assim, durante uma inspiração, a porção inicial de
ar provém do ar residual das vias respiratórias, e só depois é admitido ar exterior.
De acordo com os mesmos critérios, a primeira porção de ar expirado provem do
ar residual, o qual contém menos álcool que o ar alveolar. O ar expirado contém
também uma pequena porção de etanol que provém da sua difusão através do
sangue, pela saliva e pelas mucosidades que revestem a boca e traqueia.
Para análise do Teor de
Álcool ingerido através do ar Expirado (TAE) existem basicamente duas
tipologias de alcoolímetros:
a)
Alcoolímetro de despiste, ou qualitativo,
b)
Alcoolímetro evidencial, ou quantitativo.
Os alcoolímetros evidenciais,
ou quantitativos, são, analisadores de medição da concentração da massa de
álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, utilizados
pelas entidades fiscalizadoras do Código da Estrada (PSP, GNR) e têm acoplado
uma impressora que emite talão com a taxa de álcool presente, número sequencial
de registo, identificação do aparelho, data e hora da realização do teste, e
estão devidamente regulamentados.
Os primeiros, de despiste
ou qualitativos, também utilizados numa primeira instância pelas referidas
entidades fiscalizadoras do Código da Estrada,
são os comummente utilizados em alguns corpos de bombeiros. Realizam a
determinação da TAE, não são submetidos a controlo metrológico, sendo no
entanto aconselhável a sua calibração periódica.
Um
alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas normais
condições de funcionamento, fornece indicações válidas e fiáveis para todos os
efeitos legais. O valor indicado pelo alcoolímetro em cada utilização é o mais
correto, a não ser que este, como meio de prova (exame), seja posto em causa
por outro meio de prova que abale esta sua credibilidade (a contra-prova).
5.
Regulamentos
de controlo de alcoolemia nos Corpos de Bombeiros
É conhecida a existência
de regulamentos internos de corpos de bombeiros que contemplam a possibilidade
de serem realizados testes de
despistagem da alcoolemia, encontrando-se também, disponíveis na internet,
regulamentos de controlo de alcoolemia em uso em alguns corpos de bombeiros.
Antes
de nos debruçarmos sobre a possibilidade legal, ou não, dos testes incidirem
sobre os bombeiros voluntários, dir-se-á que às associações não bastará tão-somente
adquirirem um instrumento de medição (alcoolímetro) e começarem a fiscalizar o
corpo de bombeiros. Existem, além dos condicionalismos legais já descritos,
variados factores que terão de ser atendidos de modo a minimizar a contestação
sobre os procedimentos e a salvaguardar o respeito pela condição humana dos
elementos a fiscalizar.
Desde
logo, é imperiosa a existência de um conjunto de regras que regulem a realização
de exames ou testes de despistagem do Teor de Álcool ingerido através do ar
Expirado (TAE), isto é, terá de existir um regulamento para este efeito,
regulamento esse que se fundará no poder regulamentar da entidade patronal
(direção), no que respeita aos bombeiros com vínculo contratual, e do
Comandante do Corpo de Bombeiros em relação aos bombeiros voluntários.
Como referido, perspectivando-se
a aplicação do regulamento a bombeiros com contrato individual de trabalho
celebrado com a associação, a sua legalidade ficará condicionada a autorização
prévia da CNPD e ao seu envio para o serviço desconcentrado da Autoridade para
as Condições de Trabalho (ACT) que detenha competências territoriais sobre a
organização apresentante.
Com estes envios, as AHB “requerentes” serão esclarecidas sobre
eventuais desconformidades detetadas no regulamento e da sua necessária correção,
sem prejuízo de posteriores ações inspetivas da ACT.
Depois, aferida a sua
conformidade pela ACT, e a aprovação pela CNPD, deverá o regulamento ser
publicitado na sede da AHB (e nas secções destacadas, se for o caso).
Em síntese, no que
concerne à elaboração, propriamente dita, do regulamento para a realização de
exames ou testes de despistagem a bombeiros com contrato individual de trabalho
com a associação, compatibilizando-se este com as exigências legais aplicadas
no campo laboral, as suas disposições devem ter em consideração os seguintes
aspetos:
- A
realização de exames ou testes de despistagem do Teor de Álcool ingerido
através do ar Expirado (TAE) aos bombeiros trabalhadores encontra a sua
justificação na proteção da segurança do trabalhador e de terceiros e situa-se
no âmbito da organização da segurança e saúde no trabalho da própria AHB;
- A
sua realização pressupõe que tenha sido previamente assegurado o quadro de
informação, consulta e participação dos bombeiros trabalhadores;
- Devem
ser oferecidas garantias de que a realização da despistagem não é executada de
forma discriminatória ou arbitrária;
- A
realização dos exames apenas pode ocorrer sob solicitação e/ou responsabilidade
do médico do trabalho (art. 108º/1/2, 107º e 103º do RJSST);
- A
recolha e tratamento de dados na realização de exames ou testes de despistagem
da alcoolemia, ainda que de forma não automatizada, tenha sido previamente
autorizada pela CNPD;
- Não
é legalmente possível
estabelecer uma presunção inilidível, fazendo equivaler a recusa do bombeiro
trabalhador a teste positivo de presença do álcool no organismo;
- Da
eventualidade de, em resultado da detecção de situações de presença de álcool
no organismo, poderem resultar consequências disciplinares, ao bombeiro
trabalhador serem assegurados os direitos de defesa adequados, designadamente a
possibilidade de contraprova fiável;
- Não
poderem resultar encargos de qualquer tipo para o bombeiro trabalhador em
resultado da execução de medidas de controlo do consumo do álcool;
6.
A
especificidade dos bombeiros voluntários
Tendo-se
em consideração o estipulado na alínea i) do nº 1 do artigo 5º do Decreto-lei
nº 241/2007, de 21 de Junho, alterado e republicado pelo Decreto-lei nº
249/2012, de 21 de novembro, é um direito dos bombeiros voluntários dos quadros
de comando e ativo terem “acesso a um
sistema de segurança, higiene e saúde no trabalho organizado nos termos da
legislação vigente, com as necessárias adaptações”. Seremos tentados a
afirmar que esses serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, a
existir, presumidamente não funcionarão 24 sobre 24 horas, tal como a atividade
do Corpo de Bombeiros, o que comprometerá a realização de teste de despistagem
a qualquer hora do dia ou da noite. Corresponderia dizer que, somente durante o
dia e mediante agendamento da ação de fiscalização, é que seria exequível a
realização do teste de despistagem, afastando-se por completo a realização
deste sempre que os superiores hierárquicos constatassem existirem indícios ou
manifesta suspeita de que o bombeiro se encontra a prestar serviço sob influência
do álcool, suscetível de ameaçar ou comprometer a boa prestação do socorro e a
segurança de todos os intervenientes.
a)
Quem
realiza o teste
Até aqui, poderia ser defensável que a realização
dos testes de despistagem da TAE, através de alcoolímetro de despiste, ou
qualitativo, pudessem ser efetuados pelo comando do Corpo de Bombeiros, sob
sigilo profissional, com garantias de
segurança e confidencialidade do tratamento dos dados e que o teste se
processasse "de forma transparente e no estrito respeito pela reserva
da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais"
dos bombeiros. Porém, assim não será.
Segundo a ACT, se os testes de alcoolemia forem realizados
através de aparelhos de expiração de ar, não têm de ser obrigatoriamente feitos
por um médico. Contudo, devem-no ser sempre por pessoal especializado dos
serviços de saúde, higiene e segurança no trabalho (SHST) da empresa ou
organismo público. Ora, face a este condicionalismo legal, afigura-se imperiosa
a existência de um serviço de saúde, higiene e segurança no trabalho nas
Associações Humanitárias de Bombeiros, serviço, esse, próprio ou contratado, bem
como de técnicos para realizarem os testes.
b)
O
Regulamento Interno do Corpo de Bombeiros
A existência de um regulamento
para a realização de exames ou testes de despistagem da alcoolemia a bombeiros
deverá ser prevista no regulamento interno do Corpo de Bombeiros, mais
concretamente, no descritivo dedicado às normas de funcionamento interno do
corpo de bombeiros. A sua referência no regulamento interno não deverá
acarretar qualquer censura, desde que esteja em conformidade com a lei (à
semelhança de outras disposições no regulamento interno) e, por conseguinte,
possam ser praticados os atos lá descritos. Por outro lado, a sua referência no
regulamento interno traduz o entendimento do comando sobre a problemática e,
igualmente, um modo de publicitar e dar visibilidade à organização e disciplina
que se pretende no Corpo de Bombeiros.
Atente-se que a elaboração
do regulamento interno do Corpo de Bombeiros emana do poder regulamentar do
Comandante do Corpo de Bombeiros, observando o estipulado no Despacho nº
20915/2008, de 11 de Agosto,
por força do art.º 25º do Decreto-lei nº 247/2007, de 21 de Junho, alterado e
republicado pelo Decreto-lei nº 248/2012, de 21 de novembro.
Neste sentido, estará no
livre arbítrio do Comandante do Corpo de Bombeiros fazer constar, ou não, no
regulamento interno a realização de exames ou testes de despistagem da
alcoolemia aos bombeiros, desde que tal seja legalmente permitido. Ademais, o
próprio despacho de aprovação da Direção Nacional de Bombeiros faz ressalva
das disposições aditadas ao modelo pela AHB no uso das suas competências de
regulamentação. Questão diferente, e a jusante desta questão de “constar ou não
constar” no regulamento interno, será a necessária conformidade legal do
regulamento para a realização de exames ou testes de despistagem da alcoolemia.
c)
O
Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Voluntários
A realização de exames ou
testes de despistagem de alcoolemia não está expressamente prevista no Capítulo
V do Decreto-lei nº 241/2007, de 21 de Junho, alterado e republicado pelo
Decreto-lei nº 249/2012, de 21 de novembro, dedicado ao Regime Disciplinar, nem
tampouco na Portaria nº 703/2008, de 30 de Julho, que consagra o Regulamento
Disciplinar dos Bombeiros Voluntários (RDBV).
Dispõe o nº 1 do artigo 3º
do RDBV, que “considera-se infração
disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo bombeiro
voluntário com violação dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função
que exerce”, e o nº 3 que “constitui
ainda infração a violação dos deveres gerais previstos nos nºs 3 a 11 do artigo
3º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado
pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, bem como a violação dos deveres
especiais previstos no artigo 4º do Decreto-Lei nº 241/2007”.
Ora, perscrutando os
referidos deveres gerais e especiais consagrados no regime disciplinar dos bombeiros
voluntários e no estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções
públicas, aplicado subsidiariamente por força do art.º 30º da Portaria nº
703/2008, ou do nº 2 do art.º 37º do Decreto-Lei nº 241/2007, alterado e
republicado pelo Decreto-lei nº 249/2012, de 21 de novembro, em parte alguma se
encontra norma que estipule o dever dos bombeiros se apresentarem sóbrios ao
serviço e nunca sob o efeito do álcool, o que, a acontecer, seria deveras caricato
dada a sua evidência. Contudo, a sua inexistência expressa não é sinónimo de não
cometer ilícito disciplinar o bombeiro que se apresente embriagado ao serviço,
e prova disso é que, na alínea b) do nº 3 do art.º 15º do Regulamento
Disciplinar dos Bombeiros Voluntários, está prevista a suspensão de 61 a 180
dias ao bombeiro que compareça ao serviço em “estado de embriaguez ou sob o efeito de estupefacientes ou drogas
equiparadas”. Temos a tipificação da norma, com previsão e estatuição,
mas faltar-nos-á tão-somente o probatório do ilícito disciplinar através de elementos
de prova, obtida pela realização de exames ou testes de despistagem de
alcoolemia.
Como referido no ponto 3, a partir do momento em que a CNPD admite
a realização de testes de despistagem de alcoolemia, com finalidade preventiva,
afigura-se que nada obsta a que se tirem todas as consequências dessa atuação
para uma completa preventividade da medida nomeadamente através do uso dos
resultados (prova) para efeitos disciplinares. Ora, aqui é que a “coisa” se
complica. Caso a realização dos testes não tenha sido legalmente autorizada, a
prova daí resultante terá sido obtida por meios ilícitos e, consequentemente,
de nenhum valor, não podendo ser considerada !
Importa referir que não existe impedimento legal à existência num corpo de bombeiros de um alcoolímetro de despiste, a que os bombeiros, de livre e espontânea vontade e sem incorrerem em sanção, se auto-sujeitem ao referido controlo.
Esta é fronteira em que nos encontramos.
Contudo, com o devido
empenhamento, estou certo que haverá forma de se ultrapassar este impasse. Creio que neste momento, salvo melhor opinião, se perfilam três opções:
- Continuar a nada fazer, pura e simplesmente “meter a cabeça na areia como a avestruz”;
- Existindo equipamento já adquirido, permitir que este seja utilizado pelos bombeiros para auto-controlo, sem sanções associadas aos resultados, ou;
- Prosseguir na esteira da prevenção e da deteção
de bombeiros que possam atentar contra a integridade física dos seus colegas, dos utentes dos serviços e dos transeuntes em geral, convictos que, perante a
superioridade do bem ou interesse jurídico a salvaguardar (vida) a realização de
testes de despistagem da alcoolemia se traduza num estado de necessidade.
As duas primeiras opções manter-nos-ão no campo da estrita legalidade. A primeira porque não haverá qualquer controlo e a segunda porque o controlo será auto-realizado e sem sanção.
Porém, a terceira opção, controversa, a ser seguida, dever-se-á ter em consideração os direitos, liberdades e garantias tutelados pela Constituição, e revestir-se da legalidade possível.
A análise do Teor
de Álcool ingerido através do ar Expirado (TAE) é um elemento de grande
importância na política de prevenção contra a condução sob o efeito do álcool.