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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A não renovação da comissão do exercício do cargo de comando e a comissão arbitral - que prazos ? *


* artigo desactualizado pela publicação do DL 248/2012 - 21-nov-2012 -(introduz alterações ao Regime Jurídico da Constituição, Organização, Funcionamento e Extinção dos Corpos de Bombeiros) e DL 249/2012 - 21-nov-2012 - (altera o Regime Jurídico dos Bombeiros Portugueses)

O cargo de comando é constituído pelos elementos do corpo de bombeiros a quem é conferida a autoridade para organizar, comandar e coordenar as actividades exercidas pelo respectivo corpo de bombeiros, incluindo, a nível operacional, a definição estratégica dos objectivos e das missões a desempenhar. A estrutura de comando é composta por um comandante, um segundo-comandante e por três, dois, um ou…nenhum (!) adjuntos de comando, conforme a tipologia do corpo de bombeiros seja do tipo 1 (≥ a 120 elementos), 2 (entre 90 a 119 elementos), 3 (entre 60 a 89 elementos) ou 4 (até 60 elementos), respectivamente. Incompreensível, sem justificação e demonstrativo da falta de conhecimento que o legislador tem sobre o trabalho desenvolvido nas estruturas de comando dos corpos de bombeiros, foi a decisão de não atribuição de um adjunto de comando na tipologia 4, atribuição, essa, que em nada iria onerar a administração pública e que seria de grande utilidade na distribuição de tarefas de comando. Aguarda-se a imperiosa alteração da disposição e a dotação de um adjunto de comando na estrutura de comando dos CB’s de tipologia 4.
A nomeação de elementos a exercer funções na estrutura de comando é da competência do órgão de administração da associação humanitária e é feita pelo período de cinco anos, renováveis por períodos iguais. Os procedimentos inerentes à instrução dos processos de nomeação na estrutura de comando dos corpos de bombeiros voluntários e mistos de associações humanitárias, estão consagrados no Despacho nº 28956/2008, de 11 de Novembro, do Director Nacional de Bombeiros, dada a competência atribuída pelo Decreto-Lei nº 24172007, de 21 de Junho, à Autoridade Nacional de Protecção Civil nesta matéria.


Após a necessária homologação da nomeação por parte do Director Nacional de Bombeiros, a data de provimento na função e de início da comissão de serviço corresponderá à data de tomada de posse na função conferida pelo órgão competente da AHB. Caso se trate de renovação da comissão, não carecendo desta forma de nova homologação, a data de provimento na função e de início da nova comissão de serviço já corresponderá à do dia seguinte ao do termo da comissão anterior.
A data da tomada de posse ou de início de nova comissão é fulcral para a contagem dos cinco anos de comissão. É a partir desta data que os órgãos de administração das AHB’s devem identificar o dia do termo da comissão.
Caso o órgão de administração entenda que o exercício das funções foi relevante e a comissão deva ser renovada por mais um período de cinco anos, em obediência ao princípio da boa-fé, deverá comunicar, com a devida antecedência, por escrito essa sua decisão ao elemento em causa, dando-lhe a possibilidade de se pronunciar sobre a decisão. Será este o momento em que, fruto de uma análise criteriosa do período cessante, a entidade detentora do corpo de bombeiros comunicará ao elemento a reconduzir no cargo os objectivos que pretende ver alcançados na nova comissão de serviço. Neste aspecto, a definição dos objectivos de desempenho devem reflectir não só o trabalho individual desse elemento mas também o trabalho em equipa na estrutura de comando. Os objectivos devem ser definidos de forma simples, directa e objectiva, devem ser mensuráveis, atingíveis, equilibrados e congruentes com os recursos disponíveis, e …desafiadores !
Em sentido contrário, caso o órgão de administração decida pela não renovação da comissão de serviço, é essencial que tenha em conta a data de termo, e com uma antecedência mínima de trinta dias comunique por escrito, fundamentando, essa decisão ao interessado. Aqui levanta-se a questão de se saber se o prazo de trinta dias é contado corrido ou em dias úteis, pois o nº 5 do art. 32º do DL 241/2007, de 21 de Junho, diploma que regula esta matéria, é omisso.
Esta é uma questão que se reveste de alguma controvérsia, e que em última análise nos levaria a questionar a própria noção de pessoas colectivas de utilidade pública e a aplicação do direito administrativo. Contudo, segundo o Prof. Freitas do Amaral[1], o diploma regulador das pessoas colectivas de utilidade pública[2] considera-as todas como entidades privadas que cooperam com a Administração Pública e não como peças integrantes desta.
Salvo melhor, e fundamentada, opinião, com o devido respeito por entendimento diverso, entende-se que o prazo de trinta dias do nº 5 do art. 32º deva correr independentemente de qualquer formalidade, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados, nem se incluindo na sua contagem o dia em que o evento (comunicação) ocorre. Sustenta-se tal entendimento na conjugação dos seguintes argumentos :
1º   O Decreto-lei nº 460/77, de 7 de Novembro, alterado e republicado pelo Decreto-lei nº 391/2007, de 13 de dezembro, que consagra o regime jurídico que regula o reconhecimento das pessoas colectivas de utilidade pública, dá a seguinte noção de pessoa colectiva de utilidade pública no art. 1º:
1 — São pessoas colectivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a administração central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de utilidade pública.
2 — As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa são, para os efeitos do presente diploma, consideradas como pessoas colectivas de utilidade pública.

2º   O art. 3º da Lei nº 32/200, de 13 de Agosto, que define o Regime Jurídico das Associações Humanitárias de Bombeiros, estipula que “As associações adquirem personalidade jurídica e são reconhecidas como pessoas colectivas de utilidade pública administrativa com a sua constituição”;
3º   O nº 4 do art. 2º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) estipula que Os preceitos deste Código podem ser mandados aplicar por lei [sublinhado nosso] à actuação dos órgãos das instituições particulares de interesse público” (onde se enquadrarão as AHB) não existindo no Regime Jurídico das Associações Humanitárias de Bombeiros, no Regime Jurídico dos Bombeiros Portugueses nem no Regime Jurídico dos Corpos de Bombeiros norma habilitante para a aplicação subsidiária do CPA, tendo sido, inclusive, afastava a aplicação do revogado Código Administrativo;
4º   No Despacho nº 28956/2008, de 11 de Novembro, do Director Nacional de Bombeiros, que define os procedimentos inerentes à instrução dos processos de nomeação da estrutura de comando dos corpos de bombeiros voluntários e mistos não pertencentes ao município, a contagem dos prazos para a prática de acto administrativo por parte da Administração Pública (ANPC) é identificada explicitamente pelo legislador como decorrendo em “dias úteis”[3], em contraposição aos restantes prazos identificados no mesmo diploma, contados em dias corridos, e que correm por "conta” da AHB, logo, não administrativos. Ora, não faria sentido que os prazos da AHB nos procedimentos de provimento na estrutura de comando fossem contados em dias corridos, mas em sede de procedimentos de não recondução já fossem contados em dias úteis, como se de prazos administrativos se tratassem. Por recurso à analogia, os prazos da AHB em todo o processo de não recondução terão de ser contados em dias corridos. "in claris non fiat interpretativo”, disposição clara não carece de interpretação.
Quanto à fundamentação, este dever, com assento constitucional, traduz-se num enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão de administração à prática do acto decisório de não renovação da comissão de serviço. A sua falta, em sede judicial, poderá determinar a mera anulação do acto. Por outro lado, também não se mostra fundamentado a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto decisório.
Da decisão de não renovação da comissão de serviço cabe “recurso” para uma comissão arbitral, prevista no art. 33º do DL 241/2007, e constituída pelo presidente da mesa da assembleia geral da AHB, que preside, por um representante designado pela ANPC e por um elemento indicado pela LBP, tendo a sua deliberação ser lavrada em acta, e carácter vinculativo.
Porém, decorrente da possibilidade de “recurso” para a comissão arbitral, suscitam-se pertinentes questões que, uma vez mais, o regime jurídico dos bombeiros portugueses não dá resposta :
a)    Qual o prazo que o lesado pela decisão tem para interpor “recurso” para a comissão arbitral ?
b)    O “recurso” suspenderá os efeitos da decisão ?
c)    Qual o prazo que a comissão arbitral tem para decidir o “recurso” ?

Visto que, no caso concreto, está afastada a aplicação subsidiária do CPA, o “recurso” em causa não será, então, um recurso administrativo nem um recurso judicial, mas tão-somente uma impugnação (propriamente dita) do acto, dirigida a uma comissão composta por 3 representantes que terão a incumbência de arbitrar a resolução do diferendo surgido entre a entidade detentora do corpo de bombeiros e o elemento prejudicado pelo acto emanado desta. Trata-se de um direito cujo normativo não estipula prazo dentro do qual possa ser exercido. Estamos, portanto, perante um vazio existente no ordenamento legislativo. Não se encontrando no corpo da lei um preceito que solucione o caso concreto, neste caso o prazo para impugnação do acto, constata-se a existência de uma lacuna que terá de ser integrada segundo o art. 10º do Código Civil. Assim, a falta de estipulação de prazo no art. 33º do DL 241/2007, será preenchida segundo a regra geral sobre o prazo prevista no nº 1 do art. 153º do Código de Processo Civil, isto é, será num prazo de dez dias corridos (não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados, nem se incluindo na sua contagem o dia em que a comunicação ocorre). Na mesma linha de raciocínio, o prazo que a comissão arbitral tem para decidir será igualmente de dez dias corridos. Quanto ao efeito da impugnação, não sendo um recurso administrativo nem judicial, nem existindo previsão no diploma quanto aos seus efeitos, não terá este qualquer efeito suspensivo da decisão.
Ao contrário da impugnação apresentada fora de prazo que, considerada extemporânea, poderá ser rejeitada, o incumprimento dos prazos de decisão por parte da comissão não terá qualquer cominação, o que se mostra incompreensível. Conjecturando, poderá ser atingida a data de termo da comissão de serviço sem que tenha havido decisão da impugnação apresentada. In extremis poderá mesmo alvitrar-se a possibilidade da comissão arbitral nunca vir a reunir !
E que fazer perante uma situação em que a comissão arbitral vem dar razão à argumentação aludida pelo elemento de comando que já viu ocorrer o termo da sua comissão de serviço na estrutura de comando e ao corpo de bombeiros já fora comunicado que o referido elemento terminou as funções de comando ?
Nestes casos, quid júris ?
Entende-se que, a atribuição de efeitos suspensivos à impugnação da decisão de não recondução , conferiria, por um lado, uma “imposição” à comissão arbitral de reunir e decidir em tempo útil, por outro, seria um modo do impugnante ver garantidos os seus direitos de defesa, também em tempo oportuno.

Espera-se que numa futura revisão dos diplomas em causa, estas questões sejam tidas em conta e possam ser clarificadas.

[1] In Curso de Direito Administrativo, Vol I, Almedina, 2001, pág.566 e ss
[2] Decreto-lei nº 460/77, de 7 de Novembro
[3] Em conformidade com a contagem de prazos no Código de Procedimento Administrativo (artigo 72º)