Decorreram 18 anos sobre o primeiro Curso de Técnicas de Emergência Médica para Formadores de Tripulantes de Ambulância/Bombeiros, realizado no centro de formação do INEM, no Lumiar, resultante da parceria entre o ex-Serviço Nacional de Bombeiros e Instituto Nacional de Emergência Médica para formar bombeiros formadores. Davam-se os primeiros passos de um projeto que visava dotar os corpos de bombeiros com formadores credenciados para formarem bombeiros como tripulantes de ambulância, e que conduziu à realidade atual dos formadores externos da Escola Nacional de Bombeiros.
Concentremo-nos em 2013.
O Regulamento de Transporte de Doentes, aprovado pela Portaria nº 439/93,
de 27 de abril, careceu de alterações que o adequassem “à evolução tecnológica dos veículos e dos seus equipamentos e aos
progressos da medicina na área do socorro e transporte de doentes em situações
de urgência e de emergência”, procurando-se, ainda, “estabelecer uma maior uniformização e normalização das características
técnico-sanitárias dos meios e condições de transporte de doentes,
independentemente das entidades transportadoras, tendo em consideração regras
similares existentes em outros países e, nomeadamente, a norma europeia EN1789,
relativa às viaturas médicas e seu equipamento”. Com efeito, fruto da
necessidade de alterações, a Portaria nº 1147/2001, de 28 de setembro, dos
Ministérios da Administração Interna e da Saúde, fez aprovar novo Regulamento de Transporte de
Doentes que, sucessivamente, foi alterado pelas Portarias nº 1301-A/2002, de 28
de setembro, 402/2007, de 10 de abril e 142-A/2012, de 15 de maio.
Estipula o regulamento, na secção I do capítulo III, que “os
tripulantes das ambulâncias de transporte devem ter o curso de tripulante de
ambulâncias de transporte,
ministrado por organismos reconhecidos como idóneos pelo INEM para tal fim”.
O Regulamento das Carreiras de Oficial Bombeiro e de
Bombeiro Voluntário, anexo ao Despacho do Presidente da Autoridade Nacional de
Proteção Civil nº 9915/2008, de 4 de Abril, alterado pelo Despacho nº 363/2012,
de 12 de janeiro, regulamenta o desenvolvimento das carreiras referidas, do
quadro ativo, nos corpos de bombeiros voluntários e mistos, fixando os
princípios, critérios e procedimentos, relativos à organização e execução do
processo de progressão nas carreiras, designadamente, nas suas fases de
ingresso e de acesso.
O artigo 8.º do citado despacho, enumera os princípios
orientadores do desenvolvimento das carreiras. Entre estes, destaco como
particularmente importante para o assunto em apreço o princípio do
profissionalismo, descrito como “competência
e responsabilidade na ação, que exige formação e conhecimentos científicos,
técnicos e humanísticos, segundo padrões éticos e deontológicos
característicos, suportados no dever de aperfeiçoamento contínuo, com vista ao
exercício dos cargos e funções com eficiência”.
Por seu turno, atinente à formação dos bombeiros
voluntários deverá ser trazido à colação o Despacho nº 21722/2008, de 20 de
Agosto, alterado pelo Despacho nº 713/2012, de 18 de janeiro, que regulamentar a
formação destinada aos bombeiros dos quadros de comando e ativo dos corpos de
bombeiros dependentes de associações humanitárias de bombeiros e, ainda, aos
bombeiros voluntários dos diversos quadros e carreiras dos corpos de bombeiros
detidos por municípios. Estabelece o artigo 2º que “A formação é organizada, tendo em conta os níveis de responsabilidade e
competências de todos os intervenientes no processo formativo dos bombeiros
portugueses” e que integram o processo formativo dos bombeiros portugueses a
Direção Nacional de Bombeiros da ANPC, a Escola Nacional de Bombeiros, o Comandante
do Corpo de Bombeiros, os formandos e, necessária e imprescindivelmente, os
formadores.
Neste contexto, compete à Escola Nacional de Bombeiros,
enquanto autoridade (mitigada) pedagógica de formação:
“a) Assegurar a definição, controlo e divulgação dos
conteúdos pedagógicos e programáticos específicos de todos os cursos de
formação, ingresso e acesso, na qualidade de instituição certificadora dos
mesmos;
b) Ministrar e ou certificar a formação dos cursos do
quadro de comando, os cursos de formação para ingresso e acesso na carreira de
oficial bombeiro e os cursos de formação para acesso na carreira de bombeiro e
os módulos de formação do curso para ingresso na carreira de bombeiro previstos
no quadro 2, em anexo;
c) Garantir as
qualificações e certificações dos formadores;
d) Presidir ao júri das provas de avaliação teórico
-prática do curso de formação para ingresso na carreira de bombeiro voluntário;
e) Aplicar e avaliar a prova de conhecimentos de
reclassificação para a carreira de oficial bombeiro.” (negrito nosso)
Por último, de grande
relevância, aos formadores competirá:
“a) Ministrar os cursos de formação, em conformidade com as
habilitações detidas e com os requisitos pedagógicos exigidos;
b) Manter a validade e
adequação das respetivas qualificações e certificações.” (negrito nosso)
Anexo
ao despacho, constam quadros de módulos que constituem os cursos de formação do
quadro de comando e os cursos de formação para ingresso e acesso nas carreiras
de oficial bombeiro e de bombeiro. O nº 2 do artigo 3º consagra que “Cada curso é constituído por um conjunto
particular de módulos autónomos, de conteúdos programáticos específicos,
classificados de frequência obrigatória ou de escolha”, e no nº 3 que “Para efeitos de progressão na carreira, é
imperativo o aproveitamento nos módulos indicados para cada categoria.”.
Pode-se, então, constatar no quadro 2 que o módulo Técnicas de Socorrismo é módulo de frequência obrigatória para ingresso
da carreira de bombeiro, bem como no ingresso na carreira de oficial bombeiro (quadro
1), obrigatoriamente ministrado por formadores credenciados pela Escola
Nacional de Bombeiros. Atente-se que o módulo de formação FI-03-I - Técnicas de
Socorrismo – dá equivalência ao Curso
de Tripulante de Ambulância de Transporte.
Ora, pelo até aqui ficou dito, não poderão subsistir dúvidas
que a atividade desenvolvida pelos formadores (externos da ENB/internos dos
Corpos de Bombeiros) são parte
integrante e imprescindível ao “processo
formativo dos bombeiros portugueses”, contribuindo, designadamente,
para que estes possam tripular ambulâncias em total observância dos preceitos
legais consagrados no Regulamento de Transporte de Doentes, isto é, são eles que formam os bombeiros para que
fiquem habilitados a tripularem as ambulâncias. Caso não o fizessem, às
entidades detentoras de corpos de bombeiros restaria contratarem essa mesma
formação, base e legalmente imposta, para as ambulâncias
circularem a empresas acreditadas pelo INEM para esse fim ou, circular com
ambulâncias cuja tripulação não esteja habilitada com o curso TAT e incorrer
nas sanções contraordenacionais previstas no Regulamento de Transporte de
Doentes.
Para que os formadores possam ser parte no “processo formativo dos bombeiros portugueses”,
ministrando cursos de formação, é imperativo que mantenham a validade e
adequação das respetivas qualificações e certificações, e esse desiderato é, como
anteriormente referido, por imposição legal, da Escola Nacional de Bombeiros.
Competindo ao INEM a responsabilidade da definição do programa dos cursos T.A.T.,
estipulou aquele organismo que o Suporte Básico de Vida com Desfibrilhação
Automática Externa (SBV-DAE) passasse a integrar os seus conteúdos
programáticos. Segundo informação disponibilizada pela ENB na sua página de
internet,
para que esta nova valência constasse dos cursos de TAT ministrados nos corpos
de bombeiros, a ENB iniciou a formação dos seus formadores externos. Um
processo que, de acordo com o estipulado pelo INEM, terá de seguir as seguintes
fases:
1ª- Vertente
operacional (através da ENB);
2ª- Laboratório de
formação de formadores (no INEM);
3ª - Tirocínio em 2
cursos (na ENB).
“A implementação do SBV-DAE pretende
contribuir para o desenvolvimentos das competências dos bombeiros portugueses
e, simultaneamente, para a prossecução dos objetivos do Programa Nacional de
Desfibrilhação Automática Externa (PNDAE)”.
No âmbito da implementação do SBV-DAE nos cursos T.A.T., os formadores têm
de adquirir competências de formador de DAE para que seja possível continuarem
a ministrar formação nesta área, isto é, ser possível continuarem a formar bombeiros
para que fiquem habilitados a tripularem as ambulâncias, medida
perfeitamente compreensível e bem recebida, certamente, por todos os formadores
atendendo a que isso significará um enriquecimento das suas competências.
Porém… “não há bela sem senão”…
Os formadores convocados para a realização do laboratório de formação de
formadores em SBV-DAE, têm de proceder ao prévio pagamento de “23,37€ cada elemento, ao contrário dos
100€/elemento cobrado habitualmente pelo INEM. Assegurando a ENB, todos os
encargos restantes implícitos aos 2 tirocínios obrigatórios para concluir essa
mesma certificação.” !
Mas… não é a Escola Nacional de Bombeiros “…uma entidade privada sem fins lucrativos e pessoa colectiva de
utilidade pública, tendo como associados a ANPC – Autoridade Nacional de
Protecção Civil e a LBP - Liga dos Bombeiros Portugueses”, e que, “Reconhecida como autoridade pedagógica na
formação técnica dos bombeiros portugueses, é através da ENB que todos eles
adquirem os conhecimentos e as especializações indispensáveis ao, cada vez mais
exigente, exercício da protecção e socorro.
?
Mas… não é a Escola Nacional de Bombeiros que a ENB se desenvolveu “como um centro nacional da qualificação dos
bombeiros portugueses. Uma posição que tem vindo a ser partilhada através de
estratégias descentralizadoras da sua formação, primeiramente, através duma
rede nacional de formadores externos credenciados” ?
Mas…afinal os formadores externos da ENB, e consequentemente, internos
dos Corpos de Bombeiros de onde são oriundos, não são parte integrante do
processo formativo dos bombeiros portugueses ?
Mas…para fazer um upgrade de
competências de modo a continuar a administrar formação legalmente imposta a
todos os bombeiros que tripulam ambulâncias e a estagiários da carreira de
bombeiro, vestindo e honrando o polo de formador da Escola Nacional de
Bombeiros, o formador tem de pagar a sua própria formação ?
Será esta uma nova perspetiva de “Cultura
e valores” da Escola Nacional de Bombeiros ?
Não pago…nem aceito que a minha associação humanitária de bombeiros pague
por mim, mesmo que usufruindo do desconto
feito pelo INEM ao parceiro Bombeiros, que tripula, certamente, 99,9% das suas
ambulâncias em todo o território nacional, apesar de ter tido conhecimento que,
encontrando-se o programa de formação a ser executado desde outubro, nenhum
outro formador contestou tal medida…
O facto de nenhum outro formador ou associação humanitária de bombeiros não
terem abertamente contestado a imposição de pagamento dos míseros vinte e três
euros leva a que quem de direito se mostre admirado e que se julgue no caminho
certo ?
Estou indignado, por ter tido conhecimento que a Liga dos Bombeiros
Portugueses “aceitou/negociou com o INEM/ANPC/ENB o valor agora
exigido aos formadores, justificando a sua posição com a falta de capacidade
financeira da ENB para custear estes cursos”. Então não seria a Liga a entidade própria para
defender os interesses dos Bombeiros ?
Então não deveria ser a Liga a primeira a não concordar com este acordo e a
pressionar para que os custos fossem suportados pelas entidades oficiais,
nomeadamente pelo INEM ao abrigo do Plano Nacional de Desfibrilhação
Automática Externa implementado, também, no seu parceiro Bombeiros ?
Se o cerne da questão é a “capacidade
financeira da ENB para custear estes cursos”, não seria mais coerente, por
exemplo, reduzirem encargos dispensáveis, tais como o de custearem os seguros
de acidentes de trabalho dos formadores externos, que deveriam ser da
responsabilidade destes e não da entidade a quem prestam os serviços
?
Não pago, não pelo valor (irrisório), mas porque discordo plenamente de uma
decisão subversiva de princípios e que, de ânimo leve, tem sido aceite pelos
meus colegas formadores e pelas direções das AHB.
Pergunto-me, o que aconteceria se ninguém pagasse ?
Contudo, afigura-se-me que é entendido
por todos que se trata de uma imposição perfeitamente aceitável e justa,
atendendo ao seu completo desinteresse como “cão que passa por terra vindimada”.
Para todos, mas não para mim. Não violentarei a minha
consciência. Certamente, perderei a acreditação como formador de T.A.T., mas no
final, ponderando, não serei eu o verdadeiro perdedor.
"Um ''não'' dito
com convicção é melhor e mais importante que um ''sim''
dito meramente para
agradar, ou, pior ainda, para evitar complicações."
Mohandas Karamchand
Gandhi