Nota bene

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quinta-feira, 18 de abril de 2013

Chamem a polícia que…eu não pago...nem aceito que paguem por mim !



Decorreram 18 anos sobre o primeiro Curso de Técnicas de Emergência Médica para Formadores de Tripulantes de Ambulância/Bombeiros, realizado no centro de formação do INEM, no Lumiar, resultante da parceria entre o ex-Serviço Nacional de Bombeiros e Instituto Nacional de Emergência Médica para formar bombeiros formadores. Davam-se os primeiros passos de um projeto que visava dotar os corpos de bombeiros com formadores credenciados para formarem bombeiros como tripulantes de ambulância, e que conduziu à realidade atual dos formadores externos da Escola Nacional de Bombeiros.




Concentremo-nos em 2013.

O Regulamento de Transporte de Doentes, aprovado pela Portaria nº 439/93, de 27 de abril, careceu de alterações que o adequassem “à evolução tecnológica dos veículos e dos seus equipamentos e aos progressos da medicina na área do socorro e transporte de doentes em situações de urgência e de emergência”, procurando-se, ainda, “estabelecer uma maior uniformização e normalização das características técnico-sanitárias dos meios e condições de transporte de doentes, independentemente das entidades transportadoras, tendo em consideração regras similares existentes em outros países e, nomeadamente, a norma europeia EN1789, relativa às viaturas médicas e seu equipamento”. Com efeito, fruto da necessidade de alterações, a Portaria nº 1147/2001, de 28 de setembro, dos Ministérios da Administração Interna e da Saúde, fez aprovar novo Regulamento de Transporte de Doentes que, sucessivamente, foi alterado pelas Portarias nº 1301-A/2002, de 28 de setembro, 402/2007, de 10 de abril e 142-A/2012, de 15 de maio.

Estipula o regulamento, na secção I do capítulo III, que “os tripulantes das ambulâncias de transporte devem ter o curso de tripulante de ambulâncias de transporte, ministrado por organismos reconhecidos como idóneos pelo INEM para tal fim”.

O Regulamento das Carreiras de Oficial Bombeiro e de Bombeiro Voluntário, anexo ao Despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil nº 9915/2008, de 4 de Abril, alterado pelo Despacho nº 363/2012, de 12 de janeiro, regulamenta o desenvolvimento das carreiras referidas, do quadro ativo, nos corpos de bombeiros voluntários e mistos, fixando os princípios, critérios e procedimentos, relativos à organização e execução do processo de progressão nas carreiras, designadamente, nas suas fases de ingresso e de acesso.

O artigo 8.º do citado despacho, enumera os princípios orientadores do desenvolvimento das carreiras. Entre estes, destaco como particularmente importante para o assunto em apreço o princípio do profissionalismo, descrito como “competência e responsabilidade na ação, que exige formação e conhecimentos científicos, técnicos e humanísticos, segundo padrões éticos e deontológicos característicos, suportados no dever de aperfeiçoamento contínuo, com vista ao exercício dos cargos e funções com eficiência”.

Por seu turno, atinente à formação dos bombeiros voluntários deverá ser trazido à colação o Despacho nº 21722/2008, de 20 de Agosto, alterado pelo Despacho nº 713/2012, de 18 de janeiro, que regulamentar a formação destinada aos bombeiros dos quadros de comando e ativo dos corpos de bombeiros dependentes de associações humanitárias de bombeiros e, ainda, aos bombeiros voluntários dos diversos quadros e carreiras dos corpos de bombeiros detidos por municípios. Estabelece o artigo 2º que “A formação é organizada, tendo em conta os níveis de responsabilidade e competências de todos os intervenientes no processo formativo dos bombeiros portugueses” e que integram o processo formativo dos bombeiros portugueses a Direção Nacional de Bombeiros da ANPC, a Escola Nacional de Bombeiros, o Comandante do Corpo de Bombeiros, os formandos e, necessária e imprescindivelmente, os formadores.

Neste contexto, compete à Escola Nacional de Bombeiros, enquanto autoridade (mitigada) pedagógica de formação:

“a) Assegurar a definição, controlo e divulgação dos conteúdos pedagógicos e programáticos específicos de todos os cursos de formação, ingresso e acesso, na qualidade de instituição certificadora dos mesmos;
b) Ministrar e ou certificar a formação dos cursos do quadro de comando, os cursos de formação para ingresso e acesso na carreira de oficial bombeiro e os cursos de formação para acesso na carreira de bombeiro e os módulos de formação do curso para ingresso na carreira de bombeiro previstos no quadro 2, em anexo;
c) Garantir as qualificações e certificações dos formadores;
d) Presidir ao júri das provas de avaliação teórico -prática do curso de formação para ingresso na carreira de bombeiro voluntário;
e) Aplicar e avaliar a prova de conhecimentos de reclassificação para a carreira de oficial bombeiro.” (negrito nosso)
Por último, de grande relevância, aos formadores competirá:
“a) Ministrar os cursos de formação, em conformidade com as habilitações detidas e com os requisitos pedagógicos exigidos;
b) Manter a validade e adequação das respetivas qualificações e certificações.” (negrito nosso)

Anexo ao despacho, constam quadros de módulos que constituem os cursos de formação do quadro de comando e os cursos de formação para ingresso e acesso nas carreiras de oficial bombeiro e de bombeiro. O nº 2 do artigo 3º consagra que “Cada curso é constituído por um conjunto particular de módulos autónomos, de conteúdos programáticos específicos, classificados de frequência obrigatória ou de escolha”, e no nº 3 que “Para efeitos de progressão na carreira, é imperativo o aproveitamento nos módulos indicados para cada categoria.”. Pode-se, então, constatar no quadro 2 que o módulo Técnicas de Socorrismo é módulo de frequência obrigatória para ingresso da carreira de bombeiro, bem como no ingresso na carreira de oficial bombeiro (quadro 1), obrigatoriamente ministrado por formadores credenciados pela Escola Nacional de Bombeiros. Atente-se que o módulo de formação FI-03-I - Técnicas de Socorrismo[1] – dá equivalência ao Curso de Tripulante de Ambulância de Transporte[2].

Ora, pelo até aqui ficou dito, não poderão subsistir dúvidas que a atividade desenvolvida pelos formadores (externos da ENB/internos dos Corpos de Bombeiros) são parte integrante e imprescindível ao “processo formativo dos bombeiros portugueses”, contribuindo, designadamente, para que estes possam tripular ambulâncias em total observância dos preceitos legais consagrados no Regulamento de Transporte de Doentes, isto é, são eles que formam os bombeiros para que fiquem habilitados a tripularem as ambulâncias. Caso não o fizessem, às entidades detentoras de corpos de bombeiros restaria contratarem essa mesma formação, base e legalmente imposta[3], para as ambulâncias circularem a empresas acreditadas pelo INEM para esse fim ou, circular com ambulâncias cuja tripulação não esteja habilitada com o curso TAT e incorrer nas sanções contraordenacionais previstas no Regulamento de Transporte de Doentes[4].

Para que os formadores possam ser parte no “processo formativo dos bombeiros portugueses”, ministrando cursos de formação, é imperativo que mantenham a validade e adequação das respetivas qualificações e certificações, e esse desiderato é, como anteriormente referido, por imposição legal, da Escola Nacional de Bombeiros.[5]

Competindo ao INEM a responsabilidade da definição do programa dos cursos T.A.T., estipulou aquele organismo que o Suporte Básico de Vida com Desfibrilhação Automática Externa (SBV-DAE) passasse a integrar os seus conteúdos programáticos. Segundo informação disponibilizada pela ENB na sua página de internet[6], para que esta nova valência constasse dos cursos de TAT ministrados nos corpos de bombeiros, a ENB iniciou a formação dos seus formadores externos. Um processo que, de acordo com o estipulado pelo INEM, terá de seguir as seguintes fases:
1ª- Vertente operacional (através da ENB);
2ª- Laboratório de formação de formadores (no INEM);
3ª - Tirocínio em 2 cursos (na ENB).

A implementação do SBV-DAE pretende contribuir para o desenvolvimentos das competências dos bombeiros portugueses e, simultaneamente, para a prossecução dos objetivos do Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa (PNDAE)”.

No âmbito da implementação do SBV-DAE nos cursos T.A.T., os formadores têm de adquirir competências de formador de DAE para que seja possível continuarem a ministrar formação nesta área, isto é, ser possível continuarem a formar bombeiros para que fiquem habilitados a tripularem as ambulâncias, medida perfeitamente compreensível e bem recebida, certamente, por todos os formadores atendendo a que isso significará um enriquecimento das suas competências.

Porém… “não há bela sem senão”…

Os formadores convocados para a realização do laboratório de formação de formadores em SBV-DAE, têm de proceder ao prévio pagamento de “23,37€ cada elemento, ao contrário dos 100€/elemento cobrado habitualmente pelo INEM. Assegurando a ENB, todos os encargos restantes implícitos aos 2 tirocínios obrigatórios para concluir essa mesma certificação.” !

Mas… não é a Escola Nacional de Bombeiros “…uma entidade privada sem fins lucrativos e pessoa colectiva de utilidade pública, tendo como associados a ANPC – Autoridade Nacional de Protecção Civil e a LBP - Liga dos Bombeiros Portugueses”, e que, “Reconhecida como autoridade pedagógica na formação técnica dos bombeiros portugueses, é através da ENB que todos eles adquirem os conhecimentos e as especializações indispensáveis ao, cada vez mais exigente, exercício da protecção e socorro[7]. ?

Mas… não é a Escola Nacional de Bombeiros que a ENB se desenvolveu “como um centro nacional da qualificação dos bombeiros portugueses. Uma posição que tem vindo a ser partilhada através de estratégias descentralizadoras da sua formação, primeiramente, através duma rede nacional de formadores externos credenciados” ?

Mas…afinal os formadores externos da ENB, e consequentemente, internos dos Corpos de Bombeiros de onde são oriundos, não são parte integrante do processo formativo dos bombeiros portugueses ?

Mas…para fazer um upgrade de competências de modo a continuar a administrar formação legalmente imposta a todos os bombeiros que tripulam ambulâncias e a estagiários da carreira de bombeiro, vestindo e honrando o polo de formador da Escola Nacional de Bombeiros, o formador tem de pagar a sua própria formação ?

Será esta uma nova perspetiva de “Cultura e valores” da Escola Nacional de Bombeiros ?[8]

Não pago !

Não pago…nem aceito que a minha associação humanitária de bombeiros pague por mim, mesmo que usufruindo do desconto feito pelo INEM ao parceiro Bombeiros, que tripula, certamente, 99,9% das suas ambulâncias em todo o território nacional, apesar de ter tido conhecimento que, encontrando-se o programa de formação a ser executado desde outubro, nenhum outro formador contestou tal medida…

O facto de nenhum outro formador ou associação humanitária de bombeiros não terem abertamente contestado a imposição de pagamento dos míseros vinte e três euros leva a que quem de direito se mostre admirado e que se julgue no caminho certo ?

Estou indignado, por ter tido conhecimento que a Liga dos Bombeiros Portugueses “aceitou/negociou com o INEM/ANPC/ENB o valor agora exigido aos formadores, justificando a sua posição com a falta de capacidade financeira da ENB para custear estes cursos”. Então não seria a Liga a entidade própria para defender os interesses dos Bombeiros ?

Então não deveria ser a Liga a primeira a não concordar com este acordo e a pressionar para que os custos fossem suportados pelas entidades oficiais, nomeadamente pelo INEM ao abrigo do Plano Nacional de Desfibrilhação Automática Externa implementado, também, no seu parceiro Bombeiros ?

Se o cerne da questão é a “capacidade financeira da ENB para custear estes cursos”, não seria mais coerente, por exemplo, reduzirem encargos dispensáveis, tais como o de custearem os seguros de acidentes de trabalho dos formadores externos, que deveriam ser da responsabilidade destes e não da entidade a quem prestam os serviços[9] ?

Não pago, não pelo valor (irrisório), mas porque discordo plenamente de uma decisão subversiva de princípios e que, de ânimo leve, tem sido aceite pelos meus colegas formadores e pelas direções das AHB.

Pergunto-me, o que aconteceria se ninguém pagasse ?
Contudo, afigura-se-me que é entendido por todos que se trata de uma imposição perfeitamente aceitável e justa, atendendo ao seu completo desinteresse como “cão que passa por terra vindimada”.

Para todos, mas não para mim. Não violentarei a minha consciência. Certamente, perderei a acreditação como formador de T.A.T., mas no final, ponderando, não serei eu o verdadeiro perdedor.

"Um ''não'' dito com convicção é melhor e mais importante que um ''sim''
dito meramente para agradar, ou, pior ainda, para evitar complicações."
Mohandas Karamchand Gandhi



[1] Destinatários: de acordo com o estabelecido pela Portaria n.º 1147/2001 de 28 de Setembro, dos Ministérios da Administração Interna e da Saúde, sobre o Regulamento de Transporte de Doentes, estagiários das carreiras de Bombeiro e Oficial Bombeiro para desempenharem futuras funções de Tripulante de Ambulância de Transporte em Ambulâncias de Transporte ou como segundo ou terceiro elemento em Ambulâncias de Socorro.
[2] Curso T.A.T.
[3] Portaria n.º 1147/200: “24.2.— Os tripulantes das ambulâncias de transporte devem ter o curso de tripulante de ambulâncias de transporte, ministrado por organismos reconhecidos como idóneos pelo INEM para tal fim”; “25.3.— O outro elemento deve ter, pelo menos, o curso de tripulante de ambulância de transporte.”
[4]32.- Constituem contra-ordenações, puníveis com coimas de (euro) 1000 a (euro) 3000, para pessoas singulares, e até ao limite de (euro) 25000, para pessoas colectivas:
(…)      
f) O não cumprimento do disposto na secção I do capítulo III do presente Regulamento.”
[5] Artigo 2º, nº 4 do Despacho nº 21722/2008, de 20 de Agosto
[9]   Os trabalhadores independentes são obrigados a efectuar um seguro de acidentes de trabalho que garanta, com as devidas adaptações, as prestações definidas na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares.” (nº 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de maio, que regulamenta o seguro de acidentes de trabalho para os trabalhadores independentes)