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terça-feira, 27 de setembro de 2011

A "categoria" de Estagiário


Carreira de Oficial Bombeiro
Carreira de Bombeiro


A categoria de estagiário é atribuída ao formando durante a frequência do estágio de ingresso nas carreiras de oficial bombeiro e de bombeiro voluntário, cumprindo-lhe a sua frequência com aproveitamento. O ingresso nas referidas carreiras é feito na categoria de oficial bombeiro de 2ª ou de bombeiro de 3ª, entre os estagiários aprovados em estágio, com idades compreendidas entre os 20 e os 45 anos, e entre os 18 e os 35 anos, respectivamente.


O estágio terá uma duração de 350 horas correspondente ao Curso de Instrução Inicial de Bombeiro, acrescida de 150 horas correspondente aos módulos QC 801, 802, 803 e FA 907 para ingresso na carreira de oficial bombeiro[1]. Contudo, os estagiários da carreira de oficial bombeiro oriundos do quadro activo, estão dispensados da frequência do Curso de Instrução Inicial de Bombeiro.
Em matéria disciplinar, a Portaria nº 703/2007, de 30 de Julho, consagra no nº 2 do artigo 1º que “estão ainda sujeitos ao regime definido no presente Regulamento os estagiários das carreiras de bombeiro e oficial bombeiro, voluntários” (a palavra “voluntários” deve pertencer à carreira de bombeiros…trata-se, certamente de uma gralha).
Contudo, adverte-nos o nº 3 do artigo 8º da referida Portaria que “à excepção da pena de advertência, as demais penas previstas no presente artigo (as penas de repreensão escrita, suspensão e demissão) não se aplicam aos estagiários das carreiras de bombeiro voluntário e de oficial bombeiro, salvo se aquela (advertência) lhes vier a ser aplicada por mais que uma vez durante a realização do estágio, caso em que poderá considerar-se existir fundamento bastante para a exclusão do estagiário e para a sua não readmissão pelo período de um ano” (negrito nosso). Inicialmente, poder-se-á presumir que, caso já tenha sido aplicado ao estagiário uma pena de advertência “por mais que uma vez”, as penas de repreensão escrita, suspensão e demissão poderão ser aplicadas, e neste caso “poderá considerar-se existir fundamento bastante para a exclusão do estagiário”.
Estamos, então, confrontados com um : “não se aplicam aos estagiários…, salvo se …”, isto é, não se aplica, excepto se…, mas a final existirá tão somente a possibilidade de exclusão caso exista fundamento bastante !

Ora, esta disposição é confusa e suscita alguma controvérsia na medida em que, num momento o legislador inibe a sua aplicação, e noutro parece excepcioná-la para depois possibilitar a exclusão do estágio mediante um bom e substancial fundamento. Para que o entendimento fosse claro e inequívoco bastava, tão simplesmente, que o legislador substituísse a palavra salvo por um ponto final, porém, não se escusaria às demais repercussões decorrentes do nº 2 do artigo 1º da Portaria 703/2008.
Decorre da conjugação do nº 1 do artigo 9º, nº 2 do artigo 13º e artigo 14º, que a pena de advertência “consiste numa mera admoestação verbal”, “da competência de todos os superiores hierárquicos em relação aos bombeiros voluntários que lhes estejam subordinados” e são “aplicáveis às faltas leves ao serviço”. Acresce ainda o nº 2 do artigo 38º do DL 241/2007 que “As penas de advertência e repreensão escrita são aplicadas por faltas leves de serviço, sem dependência de processo escrito mas com audiência e defesa do arguido”. Por conseguinte, a diferença entre a aplicação de uma advertência e uma repreensão escrita está, obviamente, na gravidade da infracção cometida. Uma questão de menor importância será merecedora de admoestação verbal (chamada de atenção, mero reparo verbal, ou qualquer outro adjectivo comummente empregue…) enquanto que, questões mais graves já poderão ser merecedoras da aplicação de pena disciplinar de repreensão escrita ou superior, sendo esta publicada em ordem de serviço, registada no processo individual do arguido e comunicada à entidade detentora do corpo de bombeiros e à Autoridade Nacional de Protecção Civil (artigo 42º do DL 241/2001).
Porém, não obstante a deficiente formulação do nº 3 do artigo 8º, alinhando-se pelo entendimento que aos estagiários só se aplica a advertência e não as restantes penas disciplinares (repreensão escrita, suspensão e demissão), e que, se aquela lhes vier a ser aplicada por mais que uma vez poderá “considerar-se existir fundamento bastante para a exclusão do estagiário e para a sua não readmissão pelo período de um ano”, afigura-se difícil a aferição do número de vezes em que a pena de advertência foi aplicada. Na prática, afigura-se improvável que o comandante do corpo de bombeiros possua um “registo de controlo" das advertências aplicadas aos estagiários pelos seus superiores hierarquicos, o que nestes termos e de futuro, será recomendado.
E se o estagiário desrespeita gravemente os seus superiores hierárquicos, furta ou agride, mas não possui anteriores advertências ?
Poderá ser excluído de imediato ?
Bom, presume-se que este estagiário não será, num futuro, um bombeiro que algum comandante pretenda ter nas suas fileiras. Somos da opinião que o estagiário que comete uma infracção disciplinar considerada grave, poderá ser sancionado com uma pena de exclusão do estágio mesmo sem possuir antecedentes de aplicação de advertências. Porém, para tal, terá de considerar-se existir fundamento bastante, e este só é apurado em sede de defesa. Ora, atendendo a que nº 2 do artigo 1º da Portaria 703/2008 sujeita “ao regime definido no presente Regulamento (disciplinar) os estagiários das carreiras de bombeiro e oficial bombeiro”, forçosamente, além da imprescindível audiência e defesa do estagiário, exacerbaremos a discussão ao dizer que este deverá, então, gozar, também, de todos os meios de impugnação previstos naquele diploma.
É incongruente defender que os estagiários ainda não são bombeiros (e muito bem porque ainda não terminaram o estágio com aproveitamento, tal como os Aspirantes não o eram !) mas em contrapartida verificarmos que já estão incluídos nas várias categorias das carreiras (embora considerados “sem quadro!”); constatar que só se lhes podem ser aplicadas advertências e, caso exista fundamento bastante, a exclusão, mas o legislador expressamente os sujeitar à plenitude do regime disciplinar dos bombeiros voluntários, etc,…é caso para dizer “não são carne nem peixe” !
É, sem dúvida, uma matéria fértil em controvérsia.
Contudo, a obscuridade que assombra a figura do “estagiário” poderá ser atenuada ou mesmo clarificada por parte das Associações Humanitárias de Bombeiros, caso elaborem um Regulamento de Estágio, devidamente aprovado pela entidade detentora do corpo de bombeiros, onde conste, além do programa formativo, objectivos, direitos e deveres dos estagiários, um capítulo dedicado ao comportamento e às questões de âmbito disciplinar, de modo a que esta matéria se considere devidamente regulamentada, os comandantes esclarecidos e os estagiários devidamente enquadrados.


[1] Face à alteração do despacho nº 21722/2008, de 20 de Agosto, consubstanciada pelo despacho nº 713/2012, de 18 de Janeiro, a carga horária da formação de ingresso na carreira de bombeiro passou a ser de 250h e na de oficial bombeiro 400h, mais período probatório.