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domingo, 20 de novembro de 2011

Desaparecido nas inundações de 20 de Novembro de 1937




Completam-se hoje, dia 20 de Novembro, 74 anos do desaparecimento de Mário da Conceição Lobo, nas inundações que assolaram os lugares de Agualva e Cacém. Um jovem de 25 anos, bombeiro de 3ª classe, que ao respeitar, na totalidade, o lema “Vida por Vida” foi ao encontro da morte.




Este é o testemunho do saudoso Comandante Artur Lage, lido, ano após ano, durante as comemorações de aniversário da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém, junto ao monumento erguido em memória de Mário Lobo e perante o seu Corpo de Bombeiros que, em uníssono, à evocação de MÁRIO LOBO, continuará a gritar : PRESENTE !



“20 de Novembro de 1937.
O dia surge chovendo copiosamente, com o céu carregado de nuvens ameaçadoras. Tal ameaça confirma-se, porque pouco depois a chuva torna-se torrencial, acompanhada de violenta trovoada que se manteria por todo o dia.
Às 11 horas aproximadamente, regista-se a primeira chamada para inundações que se verificavam no Bairro Serpa Rosa situado junto ao túnel de passagem inferior à linha férrea, abrangendo o local onde hoje se encontra o posto do Cacém, dos Serviços Médico-Sociais, a Cervejaria Marisqueira do Túnel, etc.
Saiu do Quartel o Pronto Socorro, único existente, de cuja guarnição eu e Mário Lobo fazíamos parte além de outros, sendo comandados pelo Chefe Gomes Fragoso.
No local existia uma vivenda grande, sendo as restantes habitações casas baixas. Começámos por desobstruir uma regueira existente, a fim de que ela recebesse as águas que inundavam as habitações. Trabalho em vão, porque pouco tempo depois os dois rios existentes e que se juntam no Cacém de Baixo, passando a ribeira das Jardas, galgavam as suas margens, a ponte não dava vazão, era destruída e dava-se a enorme cheia.
A rua principal do Cacém tinha configuração diferente da actual. Um muro alto era a vedação de uma Quinta, ladeava a estrada desde o rio até à casa Ferreira, não existindo os actuais prédios do Café Central, Capri,  farmácia, etc. Esta rua transformou-se num rio com violento caudal que nos obrigava a andarmos amarrados com espias para não sermos arrastados. Agora os nossos socorros limitavam-se a retirar pessoas para andares superiores e outros lugares que oferecessem segurança. Nada mais se podia fazer, face à violência da cheia.
Entretanto a chuva diminuiu de intensidade, as águas baixaram de nível e passámos a prestar assistência às casas inundadas. Móveis e outros utensílios, roupas e calçado haviam saído pelas janelas e portas arrombadas pela violência das águas. Os prédios mais atingidos foram o edifício onde hoje está a Junta de Freguesia, a central dos telefones ao seu lado e uma casa de pasto mais adiante. Fez-se tudo o que era possivel relativamente a apoio aos seus proprietários.
Tudo mais calmo, já de noite, porque o pessoal se encontrava esgotado, o Chefe Fragoso deu ordem para voltarmos ao Quartel, a fim de nos alimentarmos e mudarmos de roupa. A Corporação era jovem e pobre e nós não disponhamos de equipamento de protecção. Vestíamos apenas fato-macaco e calçado normal. Alguns que possuíam casaco impermeável, era de sua propriedade.
Quando a viatura no seu trajecto passava próximo da casa dos pais de Mário Lobo, este pediu ao Chefe para ficar ali por ser mais próximo do que indo ao Quartel. Devidamente autorizado, desceu e nós continuámos, mas ainda no percurso, a tempestade aumentava de intensidade e quando chegámos ao Quartel as solicitações eram muitas, constando entre elas o pedido para umas casas existentes na margem norte do rio que atravessava Agualva, nas proximidades da hoje actual rua Mário Lobo e onde os habitantes em altos gritos pediam socorro. Para ali seguira já pessoal a pé, dada a proximidade, prestando os devidos socorros e a viatura seguiu novamente para o Cacém de Baixo. É neste momento que segundo averiguações, tudo indica que a tragédia se consumou.
Mário Lobo que passava junto à margem oposta de onde se ouviam os gritos de socorro, tentaria atravessar o rio por uma rudimentar ponte sem amparos que ali existia, e que ele muito bem conhecia, o que contribuiu para que se aventurasse, e fosse arrastado pela violência da corrente que além da água, incluía os mais diversos objectos, alguns dos quais de grande porte.
Porém só tivemos conhecimento da sua falta quando seu pai João Lobo, me procurou em casa, já eu descansava, perguntando-me pelo filho porque não regressava à sua residência.
Surpresa e preocupação !
Estabelecemos contactos e de facto ninguém tinha visto Mário Lobo na Segunda presença na cheia.
Imediatamente ao alarme dado por seu pai, fizeram-se durante o resto da noite diligências para saber do seu paradeiro, inclusivamente nos locais onde havíamos actuado. Logo que amanheceu efectuaram-se pesquisas ao longo do rio, tendo sido encontrado o seu casaco impermeável preso numa grande raiz de uma árvore que se encontrava no leito do rio, um pouco abaixo da Tinturaria Cambournac. O casaco encontrava-se preso à árvore pela aba e tinha as mangas voltadas do avesso, o que para nós significava que o corpo de Mário Lobo passara naquele local e que o casaco ao ficar preso, se lhe despira continuando o corpo o curso. Não restavam  dúvidas. Mário Lobo fora tragado pelas águas revoltas da cheia e a tristeza invadia-nos.
Seguiram-se dias de angústia.
No dia 1 de dezembro seguinte, já convencidos de que Mário Lobo perdera a vida, mas na esperança de reaver o seu corpo para que lhe fossem prestadas as devidas homenagens, foram efectuadas pesquisas em profundidade, com comparticipação de Corporações congéneres, ao longo de toda a ribeira das Jardas, extensivas às suas margens, lagoas e desmuramentos, etc, etc, até Caxias, local onde desagua no rio Tejo, sem resultados positivos. Apenas foi encontrado o seu cinturão de cabedal, partido e preso a uns silvados em local do rio quando passava na Fábrica da Pólvora, em Barcarena.
Mário Lobo desaparecera para sempre !”