Nota bene

1. "Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.” (Art. 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos);

2. Todos os artigos publicados neste blogue são fruto do entendimento estritamente pessoal dos seus autores e não podem ser vinculados a qualquer instituição a que estes estejam associados;

3. Tendo em consideração que "Mudar de opinião e seguir quem te corrige é também o comportamento do homem livre" (Marco Aurélio, Imperador Romano), os autores reservam-se ao direito de rever e republicar os seus artigos;

4. Os leitores poderão interagir com os autores, utilizando o email referenciado no blogue;

5. Agradece-se, desde já, o interesse demonstrado pela visita do leitor ao presente blogue;

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

"Prevenção e Investigação de Acidentes" - Uma necessidade nos Corpos de Bombeiros

 Liga dos Bombeiros Portugueses quer plano de formação para os motoristas. 60% das mortes de bombeiros em serviço, desde 1980, deveram-se a acidentes de viação de ambulâncias e viaturas de combate a incêndios.”

“A sinistralidade rodoviária é mesmo a principal causa da mortalidade nos bombeiros, mais do que o combate a incêndios, esclarece o presidente da LBP, Duarte Caldeira, à Lusa.”

“Dos 178 bombeiros que morreram em serviço desde 1980, quase 60% faleceram em acidentes rodoviários de ambulâncias e viaturas de combate a incêndios, adianta o responsável.”


Esta notícia data de 11 de Setembro de 2008, contudo, continua actualizada, à excepção, lamentavelmente, do número de bombeiros vitimados até à presente data.

Poderíamos divagar sobre a grande dificuldade, senão impossibilidade, de consulta de registos públicos ou não, caso existam, de acidentes ocorridos com os nossos bombeiros. Partindo-se, então, da premissa que a sinistralidade rodoviária é a principal causa da mortalidade nos bombeiros, contemo-nos por ficar num nível básico de análise e questionar :



O que tem sido promovido pelos comandos dos Corpos de Bombeiros e pelas direcções das Associações Humanitárias de Bombeiros para reduzir o índice de sinistralidade ?


A 13 de Junho do corrente ano, publiquei um artigo sobre o Uso do Cinto de Segurança nos Bombeiros na expectativa de se mudarem comportamentos. Intransigentemente, continuo a entender que existe um défice de sensibilização na temática da segurança dos Bombeiros, défice esse que, numa primeira instância, competirá aos comandos e direcções suprirem.


Não obstante se considerar que o primordial objectivo da investigação de acidentes seja a salvaguarda da integridade física dos bombeiros, a verdade que não se poderá escamotear é que, para uma associação humanitária de bombeiros, o custo anual decorrente da sinistralidade rodoviária equivalerá a uns bons milhares de euros. Ora, sendo as associações humanitárias de bombeiros pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, cuja maioria das suas receitas provêm de particulares e do erário público, será, no mínimo, responsável e recomendável que sintam a necessidade da existência nos seus corpos de bombeiros de uma equipa de investigação e prevenção de acidentes.

É de fácil entendimento que uma forma eficiente de se prevenir e reduzir o índice de sinistralidade e, consequentemente, o número de lesões e mortes, é proceder-se a uma investigação de todos os acidentes que ocorrem, independentemente de só terem resultado danos patrimoniais. Cada acidente, mesmo o mais insignificante, oferece um potencial de lições a serem aprendidas pelo que, desta forma, todos os acidentes devem ser investigados para se apurar a sua causa e se implementarem medidas que assegurem que, dentro do esperado, este não volte a ocorrer.

Num corpo de bombeiros, quando os acidentes rodoviários ocorrem, surgem de imediatos vozes censórias ou de simpatia, que criticam ou desculpabilizam os intervenientes, acidentes estes que alimentam, por vezes, o azedume entre comando e direcção da associação. O próprio cidadão, tendo assistido ou não ao acidente, não perderá a oportunidade para criticar o modo como os veículos dos bombeiros transitam (o senso comum é atribuir de imediato a culpa ao carro dos bombeiros !). Por outro lado, perfilam-se de imediato aqueles que querem “a cabeça do motorista numa bandeja”.

Talvez uma das razões pelas quais se continuam a experienciar elevados danos patrimoniais e não patrimoniais nas associações humanitárias é pelo facto de estarmos programados a “olhar” para os acidentes como uma fatalidade que pode acontecer a qualquer um, o melhor é não procurarmos saber mais do que nos é sumariamente reportado, nem tampouco tentar encontrar culpados. Deste tipo de postura resulta inevitavelmente uma natural resistência a um inquérito ou investigação, e a consequência da probabilidade daquele se repetir. Ao contrário das diligências num processo disciplinar, que são conducentes a provar a culpabilidade do arguido bem concorrerem para demonstrar a sua inocência e irresponsabilidade, o propósito da investigação num acidente é determinar factos e prevenir a sua recorrência, não para atribuir culpas. Contudo, não acompanhando o velho ditado que “a culpa morre sempre solteira”, não deverá escandalizar que, em resultado da investigação, se venham a atribuir responsabilidades objectivas. Porém, ao investigador competirá recolher informação do “como” e “porquê” ocorreu o acidente, analisar essa mesma informação para determinar a(s) causa(s) e desenvolver recomendações que previnam a sua repetição. Não precisa, nem se pretende, que seja um perito em sinistralidade, mas alguém com conhecimento e vontade de que alguma coisa se faça. Pior de se fazer pouco, é nada se fazer nesta área.

A equipa de investigação e prevenção de acidentes deverá ser composta por um número reduzido de elementos de reconhecida competência, independência e credibilidade, assessorada por especialista a nomear tendo em consideração o tipo de ocorrência em análise (mecânico, formador, técnico, etc). Fará todo o sentido o envolvimento na equipa de um elemento dos corpos sociais da associação, de modo a estreitar o relacionamento entre comando e direcção, mas nunca elementos do comando. Os objectivos da equipa serão :

  • providenciar um quartel seguro e um ambiente saudável para os bombeiros;
  • identificar e documentar todas as causas de acidentes e promover acções correctivas;
  • implementar em tempo útil todas as recomendações e orientações do comando do corpo de bombeiros de modo a precaver a recorrência dos acidentes;
  • desenvolver uma cultura de segurança de modo a que sejam identificadas potenciais condições que concorram para ocorrência de acidentes;

Para cumprimento de tais objectivos, é imprescindível que exista uma preparação e consciencialização do corpo de bombeiros para a missão a desempenhar pela equipa de investigação e prevenção de acidentes de forma a evitar constrangimentos. A preparação do corpo de bombeiros passará pelo :
  • esclarecimento dos motivos que levam à criação de uma equipa de investigação e prevenção de acidentes, quais os seus objectivos e quais as suas competências;
  • assegurar que os bombeiros conhecem e sabem preencher os impressos colocados ao seu dispor para reportarem a ocorrência de acidentes com danos pessoais ou somente materiais, ou ainda situações que possam potenciar a ocorrência de acidentes;
  • estabelecimento dos procedimentos a respeitar por parte dos bombeiros e da equipa de investigação em caso de ocorrência de acidente;

Deverá ser elaborado um processo de investigação ordenado, revestido de seriedade, transparência e responsabilidade que permitirá a todos (corpo de bombeiros, comando, direcção e associados) compreenderem as causas, conhecerem as conclusões e as consequências. O processo poderá ser faseado da seguinte forma :

Numa primeira fase deverão estar previstas de imediato medidas que evitem a recorrência do acidente e a preservação de provas, incluindo a identificação de eventuais testemunhas. Quanto mais prematura for a intervenção da equipa, melhores resultados serão obtidos na investigação. No local da ocorrência, se as autoridades policiais estiverem igualmente a proceder a investigação, a equipa deve anunciar a sua presença e informar qual o trabalho que pretende desenvolver.

Numa segunda fase, ainda no local, dever-se-á proceder à recolha de prova mediante observação dos meios envolvidos, registo fotográfico, hora, data, tempo que se fazia sentir, tipo de pavimento ou local, inquirição de testemunhas, elaboração de croqui, etc. A inquirição de bombeiros envolvidos na ocorrência deverá ser feita individualmente em ambiente reservado e calmo. É natural que os bombeiros a serem inquiridos, e particularmente o condutor no caso de sinistro com veículos, vejam o investigador como alguém que procurará atribuir-lhes a culpa do ocorrido. Porém, uma breve explicação da missão da equipa e que o propósito da investigação é a salvaguarda da integridade física dos bombeiros e a não repetição do ocorrido, aliado a técnicas de interrogatório, levam a que estes tenham uma atitude cooperativa. Deste modo, a inquirição deve ser terminada com um agradecimento ao inquirido pelo tempo despendido e pela sua colaboração. Nesta fase o investigador recolhe informação necessária para, posteriormente, analisar e determinar a causa do acidente.

Numa terceira fase o investigador analisa todo o “puzzle” da ocorrência e deverá ter condições para concluir preliminarmente as suas causas. Esta fase é de grande importância pois condiciona o tipo de medidas correctivas a implementar com base nessas mesmas causas preliminarmente apuradas.

A quarta fase será a da elaboração do relatório de investigação. O investigador elabora o relatório de investigação em consonância com a apreciação feita pela equipa, tendo em perspectiva a prevenção de futuros acidentes e evitando atribuir culpas. O relatório é apreciado pelo comando do corpo de bombeiros e/ou direcção que o divulgará nos canais próprios. Contudo, é natural e inevitável que, depois de conhecido, as pessoas envolvidas e responsabilizadas pelas causas (responsabilidade não é sinónimo de culpa !) reajam às conclusões do relatório. Importante será a firmeza e convicção da equipa de investigação e prevenção de acidentes nas conclusões vertidas no relatório.

A última fase, a quinta, deverá ser dedicada ao acompanhamento de medidas correctivas a tomar, que não tenham sido implementadas de imediato quando identificadas na investigação e identificadas no relatório da equipa. O seu objectivo é, como se compreende, a redução da probabilidade de ocorrência de novo acidente com aquelas causas, evitando que a implementação de medidas de correcção fique ad aeternum por acontecer.

Na investigação, não obstante a eventual intervenção das autoridades policiais da divisão de trânsito, da investigação de acidentes e dos peritos das companhias de seguros, nos acidentes de que resultam feridos graves, mortes ou o envolvimento de um terceiro, a equipa não se deverá deter nas suas atribuições, apesar de, obviamente, muito condicionada nos acidentes graves de que resultem feridos ou mortos. Contudo, deve trabalhar na prossecução dos seus objectivos até que tal se mostre impossível de prosseguir. O simples facto do comando diligenciar, através da sua equipa de investigação e prevenção de acidentes, o apuramento dos factos, é demonstrativo do seu interesse, preocupação e empenhamento na diminuição da sinistralidade, e não de uma completa desresponsabilização.

Todos os anos registamos um número elevado de acidentes, de que resultam elevados danos morais e/ou patrimoniais para as associações, para as famílias e para a sociedade, decorrentes de acções directas de supressão dos incidentes, de acidentes rodoviários ou de outras actividades desenvolvidas pelos bombeiros. Acredita-se que uma maior consciencialização dos comandos e dos dirigentes associativos, aliada à imperiosa formação do corpo de bombeiros nas áreas da segurança no trabalho e da condução de veículos de socorro, resultaria, inevitavelmente, numa redução da sinistralidade entre os bombeiros. E, um dos mecanismos que temos ao nosso dispor para prevenir a sua ocorrência, é a investigação rápida e completa de todos os acidentes que ocorrem com os bombeiros, independentemente de só terem resultado danos patrimoniais.

A investigação de todos os acidentes ocorridos nos corpos de bombeiros é, não uma faculdade, mas uma obrigação dos respectivos comandos e direcções.